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RELATO DE CASO

Tratamento cirúrgico de teratoma intrapericárdico em lactente

Marcelo Biscegli JateneI; Décio Cavalet Soarer AbuchaimII; Luciana MARTINSIII; Miguel Barbero-MarcialIV

DOI: 10.1590/S0102-76382008000100020

INTRODUÇÃO

Dentre os tumores que acometem o coração e o mediastino em neonatos e lactentes, os de localização intrapericárdica são ocorrências pouco freqüentes; dentre estes, os mais comuns são os cistos pericárdicos e os teratomas. O cisto pericárdico é uma condição rara, geralmente assintomática e sem achados no exame clínico, que costuma ser suspeitado pela radiografia de tórax, que demonstra aumento de área cardíaca ou alargamento de mediastino. O teratoma intrapericárdico é, na maioria dos pacientes, sintomático já na infância precoce. O sintoma mais proeminente é uma grave insuficiência respiratória que é secundária à compressão pulmonar, causada pelo pericárdio completamente distendido pelo tumor e pelo derrame que o acompanha [1].

Quando estes tumores levam a sintomas, em geral, são decorrentes de compressão de estruturas vasculares, como veias cavas superior ou inferior, veias pulmonares ou tronco pulmonar. O objetivo deste trabalho é relatar o caso de uma criança com quadro de choque cardiogênico, que necessitou tratamento cirúrgico de urgência.


RELATO DO CASO

Lactente de três meses, que evoluiu com dispnéia desde o nascimento e baixo ganho ponderal. Por piora do padrão respiratório, foi trazido ao setor de emergência em regular estado geral, peso percentil 10, taquidispnéico e taquicárdico; no momento da internação, o exame físico evidenciava pressão arterial normal, boa perfusão periférica, pulsos palpáveis, com ausculta pulmonar com estertores subcrepitantes esparsos e ausculta cardíaca com bulhas abafadas, além de hepatomegalia, com fígado palpável 3 a 4 cm do rebordo costal direito. A radiografia de tórax evidenciava aumento importante da área cardíaca (Figura 1). O eletrocardiograma apresentava diminuição da voltagem dos complexos QRS e o ecocardiograma revelou grande massa intrapericárdica sobre o átrio direito e derrame pericárdico importante, com sinais de restrição, além de derrame pericárdico (Figura 2).


Fig. 1 - Radiografia de tórax exibindo acentuado aumento de área cardíaca


Fig. 2 - Ecocardiograma demonstrando grande massa intrapericárdica delimitada pelas linhas amarelas



Submetido a punção guiada pelo ecocardiograma, sendo retirado 30ml de líquido serossanguinolento, sem complicações. Ecocardiograma de controle, 12 horas após a punção, demonstrou derrame pericárdico de moderado volume, com sinais de restrição sistólica, houve rápida piora clínica, apresentando quadro de choque cardiogênico. Foi encaminhado para sala operatória, onde, após monitorização, foi realizada esternotomia median, sendo observada imediata melhora dos parâmetros hemodinâmicos. Realizou-se pericardiotomia mediana, onde se identificou massa tumoral esbranquiçada, de contornos bem definidos, comprimindo o átrio direito e veia cava superior, com moderada quantidade de líquido pericárdico, de aspecto serossanguinolento. Procedeu-se à ressecção da mesma, que se achava aderida por pedículo fino à face anterior da aorta ascendente (Figura 3). Houve boa evolução pós-operatória imediata. A massa tumoral apresentava diâmetro aproximado de 4 a 4,5cm, sendo enviada para estudo anatomopatológico, que revelou tratar-se de teratoma intrapericárdico.


Fig. 3 - Massa tumoral após a ressecção



A criança apresentou boa evolução, com alta hospitalar sem medicações cardiológicas. Atualmente, após seis meses da operação, vem apresentando bom desenvolvimento pondero-estatural, sem sintomas de origem cardiológica.


DISCUSSÃO

Teratomas são neoplasias originadas de células pluripotenciais, de incidência incerta, não existindo preponderância de sexo, sendo mais freqüente em recém-nascidos e lactentes jovens [2], quando diagnosticados no período neonatal, seu tratamento de escolha é a excisão cirúrgica. Sua ressecção completa proporciona bom prognóstico, representando o único tratamento curativo. A operação é necessária porque a compressão pode afetar os tecidos adjacentes, além disso, os tumores no mediastino podem apresentar transformação maligna [3]. Segundo Miana et al. [4], tumores primários do coração são realmente raros, na sua grande maioria benignos e de fácil diagnóstico, embora seja recomendado um acompanhamento ecocardiográfico anual para possível detecção de raros casos de recidiva. Autores como Cangemi et al. [5], Heirigs e Mooss [6] sugeriram que o tratamento conservador deve ser adotado em casos de pacientes assintomáticos, com acompanhamento clínico freqüente e com uso de exames complementares de rotina.

No caso por nós relatado, a seqüência de tratamento foi semelhante, porém, após a abertura do pericárdio, não se evidenciou líquido hemorrágico, sugerindo que houve rápida progressão do derrame; provavelmente, houve relação com a compressão de estruturas cardíacas, ou mesmo inadequado esvaziamento do derrame após a punção. Patel et al. [7] consideraram que o melhor método diagnóstico não-invasivo é o ecocardiograma, diferenciando a lesão de estruturas vasculares, relações entre estruturas e acompanhamento de crescimento do cisto. Todo o diagnóstico realizado em nosso caso foi revelado com ecocardiograma, que adquire papel importante na avaliação do tumor cardíaco e das suas relações intracardíacas [8], além do diagnóstico, pôde demonstrar sinais de restrição sistólica. Importante fator, a nosso ver, foi a pronta realização da operação, em caráter de urgência, para ressecção do tumor e alívio completo dos sintomas.

Podemos inferir que a punção dirigida pelo ecocardiograma pode aliviar um quadro de choque cardiogênico por um tumor intrapericárdico, porém a cirurgia confere a cura definitiva nessas situações.


REFERÊNCIAS

1. Ribeiro PJF, Amaral FTV, Évora PRB, Vicente WVA. Teratoma intrapericárdico. Relato de caso e revisão da literatura. Arq Bras Cardiol. 1996;66(6):361-4. [MedLine]

2. Moraes CR, Mattos S, Rodrigues JV, Santos CL, Gomes CA, Tenório E. Diagnóstico e tratamento cirúrgico do teratoma intrapericárdico. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1996;11(1):44-7.

3. Santos PC, Maia CP, Pereira JCP, Oliveira TCA. Teratoma gigante de mediastino: achado cirúrgico pós-trauma torácico. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2007;22(2):252-4. [MedLine]

4. Miana AA, Passos PHC, Whitaker JF, Loures JBL, Pimentel RC, Muniz AJ, et al. Tumores cardíacos: 10 anos de experiência. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1997;12(1):46-51.

5. Cangemi V, Volpino P, Gualdi G, Polettini E, Frati R, Cangemi B, et al. Pericardial cysts of the mediastinum. J Cardiovasc Surg. 1999;40(6):909-13.

6. Heirigs R, Mooss A. Images in cardiology: pericardial cyst. Clin Cardiol. 2004;27(9):507. [MedLine]

7. Patel J, Park C, Michaels J, Rosen S, Kort S. Pericardial cyst: case reports and a literature review. Echocardiography. 2004;21(3):269-72. [MedLine]

8. Lima PRL, Crotti PLR. Tumores cardíacos malignos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(1):64-73.

Article receive on sexta-feira, 13 de julho de 2007

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