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RELATO DE CASO

Troca valvar mitral minimamente invasiva videoassistida

Robinson PoffoI; Marcos BONINII; Rafael Armínio SelbachIII; Murilo PILATTIIV

DOI: 10.1590/S0102-76382007000400017

INTRODUÇÃO

A constante busca por melhores resultados funcionais e estéticos em cirurgia cardíaca tem levado cirurgiões a desenvolverem novas técnicas, dentre estas a cirurgia minimamente invasiva [1-3]. Objetiva-se menor trauma cirúrgico e, conseqüentemente, menor dor pós-operatória e tempo de recuperação. Não podemos relevar o aspecto estético, o qual resulta em maior satisfação do paciente [4].

Aliados à minitoracotomia, o desenvolvimento de novas tecnologias em circulação extracorpórea, instrumentais cirúrgicos específicos e o uso de videotoracoscopia têm facilitado este tipo de procedimento [5].

A cirurgia minimamente invasiva videoassistida da valva mitral já é amplamente aceita e empregada em alguns serviços, com resultados similares à técnica convencional [5,6].


RELATO DO CASO

Paciente de 39 anos de idade, sexo masculino, com história de processo reumático na infância, evoluindo com sopro em foco mitral. Em 2006, foi encaminhado à cirurgia cardíaca em classe funcional (NYHA) III, recente início de fibrilação atrial e história de acidente vascular cerebral prévio. Ao exame clínico, notou-se importante sopro holodiastólico (++++/6+) em foco mitral e leve déficit motor à direita. O ritmo era de fibrilação atrial. Ao ecocardiograma, evidenciou-se átrio esquerdo aumentado (63 mm), diâmetro sistólico final de ventrículo esquerdo de 37 mm, diâmetro diastólico final de ventrículo esquerdo de 58mm, fração de ejeção de 65%. Ao Doppler, a insuficiência mitral foi graduada em leve e a estenose grave (área de 0,5 cm2), apresentando gradiente transvalvar de 14 mmHg, com importante espessamento e calcificação dos folhetos e do aparelho subvalvar. Notou-se, também, a presença de trombo organizado no átrio esquerdo. O cateterismo cardíaco demonstrou pressão do capilar pulmonar de 20 mmHg e artérias coronárias normais.

O paciente foi informado das possibilidades cirúrgicas, quanto à realização do procedimento e optou pela cirurgia minimamente invasiva. A operação foi realizada por minitoracotomia ântero-lateral à direita videoassistida. O paciente foi intubado utilizando-se sonda orotraqueal de Carlens, para ventilação seletiva e posicionado com o lado direito do tórax elevado em 30° (Figura 1), permanecendo o braço ao longo do corpo. Pás descartáveis para desfibrilação cardíaca externa foram colocadas na região da escápula direita e região ântero-lateral do hemitórax esquerdo. Feita incisão de cinco cm, no 4° espaço intercostal (EIC), entre as linhas axilar anterior (LAA) e média (LAM).


Fig. 1 - Posicionamento do paciente e a marcação para os locais da incisão da minitoracotomia, pinçamento aórtico transtorácico, trocateres para óptica e aspirador atrial esquerdo e afastador atrial esquerdo. (A.E. = átrio esquerdo, LAA= linha axilar anterior, LAM= linha axilar média, LAP= linha axilar posterior)



Para afastamento das costelas, utilizou-se afastador específico para cirurgia minimamente invasiva (Estech, Inc.). O pulmão direito foi "seletivado". No mesmo espaço intercostal, na linha axilar média, foi introduzido trocater para óptica de 10 mm de 30°, com entrada para insuflador de CO2. O instrumental cirúrgico utilizado era específico para este tipo de procedimento, constando de pinças, porta-agulhas e tesouras longas, aproximadamente 35 cm, para videotoracoscopia. Sob visão da óptica, o pericárdio foi aberto 2 cm anteriormente ao nervo frênico, utilizando-se tesoura específica para toracoscopia. Esta incisão estendeu-se da veia cava inferior à superior. O pericárdio foi tracionado por quatro pontos, os quais foram exteriorizados, através da parede torácica, utilizando-se um puncionador/gancho específico para este fim.

A circulação extracorpórea foi estabelecida por meio de canulação femoral, sendo incisada a pele longitudinalmente aos vasos na região inguinal direita. Para canulação arterial, utilizou-se cânula Bio-medicus® n° 17 Fr. (Medtronic, Inc.) e para linha venosa a cânula Carpentier Bi-caval femoral 24/29 Fr. (Medtronic, Inc.). A drenagem venosa foi melhorada colocando-se na linha bomba centrífuga. O paciente foi mantido a 30°C.

Através do 3° EIC, na LAA, introduziu-se a pinça aórtico transtorácica (Chitwood clamp - Estech, Inc.). Utilizando-se a videotoracoscopia, a aorta ascendente foi pinçada e puncionada com cânula DLP® (Medtronic, Inc.) de cardioplegia anterógrada. Esta cânula foi mantida no lugar com ponto em bolsa, de poliéster trançado 2-0 com teflon, passada por um torniquete. A linha cardioplégica foi exteriorizada através da incisão. Esta mesma linha foi utilizada para posterior aspiração da raiz aórtica. Utilizou-se cardioplegia sangüínea de baixo volume na mesma temperatura do paciente (30°C), repetida a cada 20 minutos.

A abertura do átrio esquerdo foi anterior às veias pulmonares direitas e o afastamento atrial feito com afastador transtorácico específico passado pelo 5° EIC, lateralmente à região da artéria mamária interna direita (Estech, Inc.). Com a introdução da óptica no átrio esquerdo, inspecionou-se a valva mitral (Figura 2), a qual apresentava-se gravemente estenosada e com calcificação, principalmente na região posterior do anel valvar. Encontrou-se trombo na região da parede posterior do átrio esquerdo, o qual foi removido.


Fig. 2 - Aspecto do campo operatório, demonstrando afastador atrial esquerdo, minitoracotomia e local da ótica de vídeo. Em detalhe, no canto superior esquerdo, vista do interior do átrio esquerdo via videotoracoscopia



Para auxiliar na aspiração do sangue proveniente das veias pulmonares, introduziu-se trocater de 7 mm no 7° EIC na LAA, através do qual passou-se um aspirador de átrio esquerdo maleável (DLP® Medtronic, Inc.).

A valva mitral foi amplamente ressecada e implantada prótese mecânica de duplo folheto n° 29 (St. Jude) com 20 pontos de poliéster trançados com teflon em figura de "U". Os nós foram feitos utilizando-se pinça específica para este tipo de cirurgia (Knot-pusher Estech Inc.).

O pinçamento aórtico, a atriotomia esquerda, a excisão da valva, a passagem dos pontos pelo anel valvar, o assentamento da prótese e os nós foram feitos exclusivamente utilizando-se a visibilização pelo monitor de vídeo.

Desde a abertura do átrio esquerdo, manteve-se a injeção de CO2 através do trocater da ótica, na vazão de 2 litros por minuto, com o objetivo de diminuir a possibilidade de embolia aérea.

A atriorrafia esquerda foi feita com fio de polipropileno 3-0, através da qual deixou-se um cateter de aspiração para retirada de ar residual.

Foram feitas manobras de deaeração de câmaras esquerdas, mobilizando-se a mesa cirúrgica em posição de Trendlemburg e anti-Trendlemburg e alternância de lateral esquerda-direita. Feita aspiração pela raiz aórtica e átrio esquerdo. A aorta foi então despinçada e o paciente reaquecido. Foi necessária desfibrilação para que o coração retornasse ao ritmo sinusal.

Após saída de circulação extracorpórea, os vasos femorais foram decanulados e a heparina revertida. A minitoracotomia foi fechada de forma convencional. O hemitórax esquerdo foi drenado através da incisão do trocater de aspiração do átrio esquerdo.

O tempo de pinçamento foi de 190 minutos. O paciente foi extubado 8 horas após chegada à UTI e recebeu alta para o quarto no 2° dia pós-operatório (PO). O volume total de sangramento pelo dreno foi de 250 ml. Não foi utilizado nenhum hemoderivado. Sua recuperação evoluiu dentro da normalidade.

O ecocardiograma demonstrou prótese mitral normofuncionante e ritmo sinusal. O paciente recebeu alta no 7° PO.


DISCUSSÃO

Desde a metade da década de 1990, vários trabalhos têm demonstrado a utilização da minitoracotomia associada a videotoracoscopia como método seguro e eficaz para a abordagem da valva mitral [6].

Os objetivos são a melhor recuperação do paciente, com menos dor e complicações pós-operatórias, culminando com diminuição da permanência hospitalar e conseqüente redução de custos. Outro ponto é o aspecto estético e a satisfação gerada no paciente.

Vários trabalhos [3,5] têm demonstrado resultados cirúrgicos similares à técnica convencional, com baixa morbi-mortalidade. Aybek et al. [3] relataram mortalidade de 3,3% (8/240) em trinta dias.

O acesso restrito à valva mitral, pelo comprimento limitado da incisão, é compensado pelo uso da toracoscopia. Pacientes com um pequeno diâmetro ântero-posterior têm a exposição da valva mitral dificultada, visto que o esterno limita o afastamento anterior do átrio esquerdo, por este motivo pacientes com pectus excavatum não devem submeter-se a esta técnica cirúrgica. Outras contra-indicações seriam: pacientes obesos ou com mamas grandes, pois o acesso ao quarto espaço intercostal é mais difícil, ou portadores de insuficiência aórtica, pois a cardioplegia é administrada de forma anterógrada, podendo comprometer a proteção miocárdica.

A complicação mais temida é a dissecção retrógrada da aorta, visto que a canulação é feita na artéria femoral. Pacientes com doença vascular periférica ou aorta com importante ateromatose devem ter esta técnica contra-indicada. Aybek et al. [3] relataram apenas um caso de dissecção retrógrada de aorta, em um grupo de 240 pacientes.

Outro ponto importante é quanto aos cuidados preventivos à embolização aérea. Devido ao acesso restrito, onde fica impossível a manipulação direta do coração, a utilização de insuflação constante CO2 no campo operatório e o uso de ecocardiograma transesofágico auxiliam na evacuação de ar das câmaras esquerdas.

A adaptação do cirurgião e do ambiente cirúrgico é fundamental, pois há variação na forma com que estamos habituados a trabalhar com a valva mitral. O manuseio de instrumentos longos e a visibilização indireta do campo operatório são algumas das dificuldades acrescentadas ao método. Estes foram, provavelmente, os responsáveis pelo tempo de pinçamento aórtico de 190 minutos. Outros trabalhos demonstram tempos de pinçamento similares à técnica convencional [3,5]. Acreditamos que, com o aumento de experiência e domínio da técnica, resultados similares ao da literatura serão alcançados.

A evolução do paciente transcorreu dentro da normalidade, sendo que recebeu alta hospitalar no sétimo dia de pós-operatório. Espera-se que, com esta técnica menos invasiva, haja redução do período de permanência em UTI e conseqüente menor tempo total de internação, resultando em menor custo hospitalar. Grossi et al. [5] relataram tempo de internação de UTI de 19 horas e tempo total de internação de seis dias.

O custo cirúrgico inicial aumenta, visto que há necessidade de incorporação de novas tecnologias (equipamento de toracoscopia, material cirúrgico específico, treinamento de pessoal e cânulas especiais). Um estudo prospectivo faz-se necessário para evidenciar potenciais vantagens econômicas deste método.

O caso acima descrito demonstra a reprodutibilidade da técnica em nosso meio. Acreditamos que, apesar de ser uma cirurgia mais complexa, esta deva fazer parte do arsenal terapêutico, visto que os resultados são muito encorajadores [5].


AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer ao Prof. Friedrich W. Mohr, pelo incentivo e determinação com os quais gentilmente nos ensinou o caminho para a utilização desta técnica.

Article receive on quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

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