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ARTIGO ORIGINAL

Glicose insulina e potássio (GIK) na revascularização do miocárdio de pacientes diabéticos: ensaio clínico randomizado

Christiano da Silveira de BARCELLOSI; Orlando C. B. WENDERII; Paulo Cerati de AZAMBUJAIII

DOI: 10.1590/S0102-76382007000300002

INTRODUÇÃO

Preconizados como fonte de suporte metabólico ao miocárdio isquêmico desde a década de 60 [1], o uso de glicose insulina e potássio (GIK) na cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) permanece tema controverso. Os diferentes resultados publicados, a variedade de protocolos, doses e períodos de administração avaliados, dificultam a análise do impacto de sua utilização. Os portadores de diabetes mellitus (DM), em especial, poderiam se beneficiar do uso de GIK, uma vez que o controle da glicemia, a redução das concentrações plasmáticas de ácidos graxos livres (AGL) e o aporte de substrato ao miocárdio no período isquêmico transoperatório são importantes para a sua recuperação no pós-operatório (PO).

Um crescente número de diabéticos portadores de doença arterial coronariana tem sido referenciado ao tratamento cirúrgico, uma vez que a CRM é o tratamento de escolha para a maioria desses pacientes [2,3]. O fato de o DM ser fator de risco isolado para mortalidade e complicações após CRM e a motivação em se reduzir esses eventos têm renovado o interesse na investigação da GIK. Vários trabalhos experimentais avaliaram seus possíveis mecanismos de ação [4-8] e o tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM) em diabéticos gerou evidência convincente de seus benefícios [9,10].

Alguns estudos demonstraram melhor desempenho hemodinâmico com uso de GIK no PO de diabéticos submetidos à CRM [11,12]. Contudo, esses resultados não se repetiram em outras séries [13,14]. Uma meta-análise publicada em 2004 indicou que o uso de GIK pode melhorar, consideravelmente, a recuperação pós-operatória da função contrátil e reduzir a incidência de arritmias atriais após cirurgia cardíaca [15], o que também foi demonstrado por ensaio clínico randomizado em pacientes não diabéticos [16].

O presente ensaio clínico foi realizado para determinar se a infusão de GIK pode modificar a evolução dos diabéticos submetidos à CRM, tendo como desfecho primário o índice cardíaco e como desfechos secundários as demais variáveis hemodinâmicas, a utilização de inotrópicos e vasodilatadores, o controle glicêmico e a morbidade pós-operatória em 30 dias.


MÉTODO

Delineamento


Trata-se de um ensaio clínico randomizado, com alocação em blocos no tempo e estratificada por sexo, realizada antes da indução anestésica.

Pacientes portadores de DM do tipo 2 com doença coronariana multiarterial, com 18 anos ou mais, internados no Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, RS, no período de janeiro de 2002 a junho de 2003, foram considerados elegíveis. O diagnóstico da DM foi estabelecido pela história clínica de tratamento com hipoglicemiante oral ou insulina e/ou por glicemia de jejum superior a 126 mg/dl.

Foram excluídos pacientes que necessitassem de cirurgias associadas à CRM, emergências em que foi impossível avaliação clínica, laboratorial e hemodinâmica pré-operatória, portadores de insuficiência renal (creatinina > 2,0mg/dl) ou de insuficiência hepática (bilirrubina total > 2,5 mg/dl; aspartato aminotransferase e alanino aminotransferase > 100UI).

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética Médica do Hospital São Vicente de Paulo e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Projeto n° 200250). Os pacientes arrolados aceitaram participar e assinaram consentimento informado.

Protocolo do estudo

Os pacientes foram randomizados para o grupo GIK (intervenção), que recebeu a infusão de solução glicosada a 5% (500ml) associada a 80 UI de insulina humana regular (Biohulin ®) e 40 mEq de potássio. A infusão foi iniciada 1h antes da indução anestésica, a 30 ml/h, interrompida durante o pinçamento aórtico e reiniciada logo após, prolongando-se até a 12ª hora de PO. O grupo controle recebeu infusão de solução glicosada 5% a 30 ml/h e injeções subcutâneas de insulina regular humana orientada por glicemia ou hemoglicoteste (HGT). As escalas usadas para o ajuste da glicemia no grupo GIK ou no grupo de controle são expressas nas Tabelas 1 e 2.






Cálculo do tamanho da amostra

Baseou-se nos resultados da literatura para diferença entre as médias de índice cardíaco (IC) em pacientes submetidos ao uso de GIK em PO de CRM (IC na 18ª hora PO 2,88±0,50 no grupo de intervenção, contra 2,20±0,39 l/min/m² no de controle), para um erro alfa < 0,05 e erro beta de 80%. Esse foi considerado o desfecho primário do estudo.

Variáveis em estudo

As variáveis hemodinâmicas avaliadas foram: a) índice cardíaco (IC); b) índice de resistência vascular sistêmica; c) índice de resistência vascular pulmonar; d) índice de trabalho sistólico ventricular esquerdo; e) índice de trabalho sistólico ventricular direito; f) índice de volume sistólico; g) pressão capilar pulmonar (PCP); h) pressão média da artéria pulmonar; i) pressão venosa central. Essas variáveis foram obtidas a partir do débito e pressões medidos por cateteres Swan-Ganz de termodiluição contínua (Edwards modelo 744HF75 ®), conectados a monitor de débito contínuo (Vigilance®-Edwards Lifesciences). A pressão arterial média (PAM) foi obtida por cateterização da artéria radial. Todas as medidas hemodinâmicas foram registradas logo após a indução anestésica, imediatamente antes de se iniciar a circulação extracorpórea (pré-CEC), 30 minutos após a sua finalização (pós-CEC), na admissão ao centro de tratamento intensivo (CTI) e ao início de cada hora de PO até a 24ª hora. O IC foi calculado continuamente obtendo-se, em média, 60 medidas por hora. Os parâmetros hemodinâmicos considerados normais são descritos na Tabela 3 [17].




A utilização de inotrópicos e/ou vasodilatadores foi indicada para manter a PAM entre 70 e 90 mmHg, IC de ao menos 2,4 l/min/m², índice de resistência vascular sistêmica entre 1600 e 2400 dinas/sec/m²/cm5 e diurese de 1 ml/kg/h, após ajuste da volemia e da freqüência cardíaca. Dopamina, nitroglicerina e nitroprussiato de sódio foram utilizadas. Registrou-se a dose em uso pré-CEC, pós-CEC, na admissão da CTI e ao início de cada hora de PO até a 24ª hora.

Glicemias e concentrações plasmáticas de potássio foram coletadas nos momentos pré-CEC, durante a CEC (trans-CEC) e na 1ª, 2ª, 4ª, 6ª, 8ª, 12ª, 18ª e 24ª hora de PO. HGTs foram obtidos a cada hora até a 6ª hora de PO e a cada duas horas até a 24ª hora.

Foi determinada a concentração plasmática de ácidos graxos livres (AGL) na admissão ao centro cirúrgico e ao final da 1ª hora de reperfusão.

As variáveis clínicas estudadas foram: a) hiperglicemia (glicemia > 300mg/dl); b) hipoglicemia (glicemia < 70mg/dl); c) insuficiência cardíaca esquerda (ICE), estabelecida por critérios hemodinâmicos (PCP > 20 mmHg, e IC < 2,0 l/min/m²), compatíveis com os achados clínicos e radiológicos; d) balão intra-aórtico (BIA), implantado na ocorrência de ICE e nas complicações isquêmicas acompanhadas de PCP > 20mmHg, e IC < 2,0; e) IAM, pelo aparecimento de uma nova onda Q no eletrocardiograma ou novo bloqueio de ramo esquerdo, associado a alterações enzimáticas (CPK MB> 50UI; CPK > 2x o valor de base; DLH > 2x o valor de base); f) arritmias ventriculares, supraventriculares e fibrilação atrial no PO; g) tempo de intubação orotraqueal (IOT); h) tempo de internação no CTI (h); i) tempo de hospitalização PO (dias); j) infecção PO. Este último desfecho agrupou a ocorrência de infecção superficial ou profunda de ferida operatória, pneumonia e infecção de trato urinário.

Possíveis variáveis de confusão pré e pós-operatórias foram controladas. O estado glicometabólico pré-operatório foi determinado por avaliação do tempo de diagnóstico de DM e por dosagem da hemoglobina A1c glicosilada, frutosamina e glicemia. O balanço hídrico nas 24 horas de PO foi determinado entre os grupos.

Procedimentos

A anestesia geral foi induzida com fentanil, etomidato (0,2 a 0,4 mg/kg) e brometo de pancurônio (0,1 mg/kg). No momento da indução anestésica, todos os pacientes receberam 50 mg/kg de ácido tranexâmico, 2 g de metilprednisona e 50 mg de ranitidina. A manutenção foi feita com fentanil (até 50 microgramas/kg de dose total) e pancurônio, associado a enflurane inalatório 1a 1,5%. Durante a CEC, todos receberam nova dose de pancurônio (0,1mg/kg), fentanyl (10 microgramas /kg) e midazolam.

O cateter de Swan Ganz foi inserido logo após a indução anestésica, estabelecendo-se medidas hemodinâmicas de base. Utilizou-se incisão mediana transesternal. Após a preparação dos enxertos, os pacientes receberam 5 mg/kg de heparina. Através de canulação da aorta ascendente e do átrio direito foram colocados em CEC utilizando-se bomba centrífuga e oxigenador de membrana padronizados (Medtronic /Trillium Affinity NT®), com fluxo de 2.4 l/min/m² de superfície corporal e temperatura de 34ºC. A parada cardioplégica foi promovida por pinçamento aórtico e infusão de solução de cardioplegia sangüínea anterógrada, seguida de infusão em cada enxerto, assim que confeccionada a anastomose distal. A composição da solução de cardioplegia utilizada foi de 596mg de cloreto de potássio, 136 mg de cloridrato de procaína e 1,63 g de cloreto de magnésio em 10 ml de água destilada, administrada numa proporção sangue/solução de 20:1, a 34ºC, num volume de 250 a 300 ml/dose. Todos os vasos com lesões maiores de 50% foram revascularizados e ao menos uma artéria torácica interna foi utilizada em cada paciente. Todos os pacientes receberam antibioticoprofilaxia com cefazolina 1g na indução anestésica, 1g no 30º minuto da CEC e doses de 1g a cada oito horas até a 24ª h de PO. Administrou-se nitroglicerina endovenosa no 1º dia PO, beta bloqueador e AAS 325 mg assim que restabelecida a via oral, desde que não existissem contra-indicações para o uso.

Controle de vieses

Os pacientes, cirurgiões e cardiologistas que se envolveram diretamente na execução do protocolo e mensuração dos dados clínicos, laboratoriais e hemodinâmicos estavam cegados para a alocação dos participantes ao grupo de intervenção e de controle. Apenas os anestesistas e médicos intensivistas responsáveis pelo controle da glicemia e pela administração da insulina tiveram acesso ao grupo para o qual o paciente havia sido alocado.

Análise estatística

Utilizou-se média e desvio-padrão (dp) para variáveis de distribuição normal e mediana e intervalo interquartis (IIQ) para variáveis assimétricas. O teste T de Student e o teste de Mann Whitney foram utilizados para as variáveis contínuas. As variáveis qualitativas foram analisadas por testes x² e teste exato de Fischer. Análise de variância para medidas repetidas e teste de Greenhouse-Geisser foi utilizado para comparar as mudanças intergrupos ao longo do tempo, dos níveis séricos de glicose e potássio, dose de inotrópicos, vasodilatadores e parâmetros hemodinâmicos nas 24 horas de monitorização PO. As diferenças foram consideradas significativas para valores alfa <0,05.


RESULTADOS

No período de janeiro de 2002 a junho de 2003, 32 pacientes diabéticos foram referenciados para CRM. Sete destes necessitavam de procedimentos associados (troca valvar mitral, aórtica ou endarterectomia de carótida) e foram excluídos. Um paciente recusou-se a participar. Entre os 24 pacientes elegíveis e que consentiram na participação, 12 foram alocados para cada grupo. Todos completaram o protocolo hospitalar, sendo acompanhados ao menos até o 30° dia de PO. Não houve diferenças significativas na avaliação pré-operatória, como apresentado na Tabela 4.




Não houve diferenças nos parâmetros intra-operatórios avaliados, como descritos na Tabela 5.

O IC aumentou progressivamente ao longo das 24 horas de PO, porém não houve diferença estatisticamente significativa entre o grupo GIK e o de controle (Figura 1).


Fig. 1 - Médias do Índice Cardíaco - Gráfico ilustrando o comportamento do Índice Cardíaco nos grupos GIK e de controle nas 24 horas



Os índices de resistência vascular sistêmica, de resistência vascular pulmonar, de trabalho sistólico ventricular esquerdo, de trabalho sistólico ventricular direito, de volume sistólico, e as pressões capilar pulmonar, pulmonar média, venosa central e arterial média não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos GIK e de controle.

A utilização de inotrópico (dopamina) e vasodilatadores (nitroglicerina e nitroprussiato de sódio) foi semelhante entre pacientes do grupo GIK e de controle. Dois pacientes do grupo de controle necessitaram de adrenalina PO por período menor que uma hora.

As dosagens pré-operatórias da Hemoglobina A1c glicosilada, da frutosamina e da glicemia foram semelhantes entre os grupos (Tabela 4). As glicemias foram significativamente menores no grupo GIK nas medidas pré-CEC (GIK 95,2±38,9 e controle 194,5±76,2; IC95% -150,4 a -48,1; p=0,001) e trans-CEC (GIK 143,4±46,5 e controle 200,4±45,7; IC95% -96,2 a -18,2; p=0,006). Também foram significativamente menores nas medidas PO até a 12ª hora, como demonstra a Figura 2.


Fig. 2 - Médias das Glicemias - Gráfico ilustrando as médias das glicemias nos grupos GIK e de Controle nas 24 horas



O potássio sérico manteve-se dentro de limites normais, não apresentando significativa diferença entre os grupos. Os HGTs apresentaram o mesmo comportamento das glicemias.

Os AGL estavam aumentados em ambos os grupos na admissão e não houve diferença significativa entre GIK e de controle quanto à sua redução na dosagem da primeira hora após a reperfusão (Tabela 5).




A ocorrência de hiperglicemia no transoperatório e no PO foi significativamente maior no grupo controle, oito (64%), contra dois (16%) no grupo GIK (RR 0,25; IC95% 0,07-0,94; p=0,03). O número de episódios de hipoglicemia foi semelhante nos dois grupos. Não houve complicações clínicas ou sintomas por hipo ou hiperglicemia. As ocorrências foram registradas considerando-se, exclusivamente, a mensuração da glicose plasmática.

A ocorrência de ICE foi semelhante entre GIK e de controle. Houve dois IAMs peri-operatórios: um em paciente do grupo GIK, que cursou com baixo débito e foi tratado com implante de BIA PO, e outro em paciente do grupo de controle que havia necessitado de endarterectomia coronária. Não houve diferença entre os grupos quanto à ocorrência de arritmias ventriculares, supraventriculares ou fibrilação atrial.

Os tempos de IOT, de internação em CTI e de hospitalização não foram significativamente diferentes entre os grupos de alocação.

Um paciente do grupo de controle foi readmitido ao hospital no 28º dia PO por apresentar mediastinite. Dez (80%) pacientes apresentaram alguma complicação por infecção no grupo de controle contra três (25%) no GIK, o que foi significativo como desfecho composto (RR 0.30; IC95% 0,11-0,83; p=0,01). Houve três (25%) diagnósticos de pneumonia, dois (16%) de infecção de trato urinário e quatro (32%) infecções superficiais na safenectomia no grupo de controle e apenas uma (8%) ocorrência de cada uma dessas complicações no grupo GIK.

Houve dois óbitos por falência de múltiplos órgãos em pacientes do grupo de controle: um no paciente readmitido por mediastinite e outro em paciente que, durante tratamento de pneumonia e celulite na safenectomia, apresentou insuficiência renal aguda e insuficiência cardíaca. Os óbitos ocorreram aos 120 e 90 dias de PO, respectivamente. A evolução clínica no PO, de acordo com o grupo de alocação, está descrita na Tabela 6.




O balanço hídrico PO foi muito semelhante nos dois grupos, estando descrito na Tabela 7.




DISCUSSÃO

A infusão de soluções de GIK, como suporte metabólico ao miocárdio, no peri-operatório de CRM tem sido preconizada há vários anos, mas não existe consenso quanto aos seus benefícios. O crescente número de diabéticos submetidos ao tratamento cirúrgico e a busca de melhores resultados, especialmente nesses pacientes, têm renovado o interesse por sua utilização. Os efeitos da GIK em estudos experimentais demonstram sua capacidade de preservar a função contrátil após um período de isquemia, com o que se espera melhor desempenho hemodinâmico do coração [4-8].

A associação entre baixo débito cardíaco e mortalidade está bem estabelecida [18-20] e uma recuperação normal após uma cirurgia cardíaca é esperada quando o IC é mantido dentro de parâmetros normais [21]. Estabelecemos o IC como desfecho primário em nosso ensaio clínico, uma vez que é a medida de desempenho do coração mais sensível no período PO imediato. Sua aferição por termo diluição contínua, usando cateter de artéria pulmonar, é simples e suficientemente precisa [22-24].

O IC tem sido utilizado para avaliação do benefício da GIK em CRM por outros autores. Ensaio clínico randomizado publicado no ano 2000 comparou pacientes diabéticos submetidos à CRM utilizando GIK (n=20) ou tratamento convencional com insulina subcutânea (n=20). Demonstrou aumento no IC no grupo de intervenção (IC na 18h PO GIK 2,88±0,50 contra 2,20±0,39 l/min/m² dos controles; IC95%=0,38 a 0,97; p<0,0001) [11]. Szabó et al. [12] estudaram pacientes diabéticos submetidos à CRM e randomizados para GIK com altas doses de insulina (n=10) ou tratamento convencional (n=10). Houve significativo aumento no IC (2,3±0,1 para 2,9±0,2 l/min/m²; p=0,017) no grupo GIK. Ensaio publicado em 2002 avaliou 45 pacientes, um terço deles portadores de DM, submetidos à CRM sem CEC e randomizados para GIK ou solução salina, não encontrando diferença entre os grupos no IC e na saturação venosa mista de oxigênio, bem como nas variáveis enzimáticas CPK MB e troponina 1 [13]. O Insulin Cardioplegia Trial [14] avaliou o uso de cardioplegia enriquecida com 10 UI insulina contra placebo em pacientes de alto risco submetidos à CRM por angina instável. Um total de 1127 pacientes foi randomizado.

Não houve nenhuma diferença significativa quanto à mortalidade e à ocorrência de infarto enzimático e/ou de síndrome de baixo débito cardíaco. Este estudo foi criticado, por não considerar algumas evidências existentes, utilizando-se de uma baixa dose de insulina, administrada em momento único e não mantida no PO [25]. Publicada em 2004, uma meta-análise de 11 estudos avaliando a administração de GIK no perioperatório de CRM ou troca valvar e incluindo um total de 468 pacientes, estimou um acréscimo de 11,4% no IC dos pacientes que receberam GIK, com redução na ocorrência de fibrilação atrial no PO. Este estudo, no entanto, teve um limitado poder para analisar estes desfechos. Mesmo não tendo sido conclusivo, reforçou a necessidade de realização de ensaios clínicos a fim de avaliar o efeito do suporte metabólico neste contexto [15]. Finalmente, ensaio clínico publicado em 2006 parece ter definido o valor da terapia com GIK no perioperatório de CRM com uso de circulação extracorpórea em pacientes não diabéticos, demonstrando significativo aumento no IC, redução da resistência vascular periférica, menor ocorrência de baixo débito cardíaco, redução do uso de inotrópicos e de lesão do miocárdio avaliada por marcadores bioquímicos e eletrocardiográficos [16].

Em nosso estudo, não encontramos diferença significativa no IC e nas demais medidas hemodinâmicas, que influenciam direta ou indiretamente no débito cardíaco, nos pacientes tratados com GIK em comparação aos de controle. A pequena diferença entre as médias obtidas e o tamanho da amostra estudada não nos forneceu suficiente poder estatístico para afirmar se esta diferença realmente não existe. Estabelecemos um IC de ao menos 2,4 l/min/m² como critério para uso de inotrópicos. O IC de 2,0 l/min/m² utilizado nos estudos que nos antecederam pode ser subnormal, o que explica o fato de termos obtido valores médios de IC mais altos em nossos pacientes.

Adicionalmente, nossos resultados não evidenciaram diferença significativa da média da dose de inotrópicos e/ou vasodilatadores no grupo GIK e de controle. Acreditamos que a adoção de IC mais alto não prejudicou nossa capacidade de avaliar o benefício da GIK como intervenção, uma vez que os dois grupos de pacientes receberam fármacos inotrópicos em doses semelhantes. No estudo de Lazar et al. [11], o uso de inotrópicos foi menor no grupo GIK. A avaliação deste desfecho foi realizada por meio de um escore próprio, considerando dose de dopamina, associação de fármacos e tempo de suporte inotrópico. Não é mencionada a utilização de vasodilatadores. Mesmo considerando a análise dos nossos dados por escore semelhante, não encontramos diferenças na nossa amostra. No trabalho de Lell et al. [13], que também não observou diferença no perfil hemodinâmico dos pacientes tratados com GIK, a dose de inotrópicos foi semelhante nos grupos comparados.

O tempo de duração do DM, a glicemia na admissão e a proporção de hemoglobina A1c glicosilada são preditores independentes de mortalidade em pacientes diabéticos [10]. A possibilidade disto influenciar na comparação dos pacientes estudados levou a que avaliássemos essas variáveis e as concentrações de frutosamina, que refletem o estado glicêmico nas duas semanas anteriores à CRM. Não houve diferença nestas variáveis de estado glicometabólico pré-operatório entre os grupos GIK e controle.

Obtivemos melhor controle glicêmico no grupo GIK com menor número de episódios de hiperglicemia (>300mg/dl). Em um estudo de coorte que avaliou 291 pacientes diabéticos submetidos à CRM, a ocorrência de hiperglicemia correlacionou-se positivamente com complicações PO e morte (OR 2,5; IC95% 1,1-5,3), com um implemento de risco da ordem de 17% para cada 18 mg/dl acima de 110 mg/dl de glicemia [26]. Adicionalmente, há evidências na literatura de que a hiperglicemia (>200mg/dl) PO é um preditor independente para a ocorrência de mediastinite em diabéticos submetidos a cirurgias com CEC [27]. Essas evidências permitem afirmar que o melhor controle glicêmico foi um benefício do tratamento com GIK nos nossos resultados.

As concentrações plasmáticas de AGL no período de reperfusão foram estatisticamente semelhantes no grupo GIK e de controle, apesar de um tempo de infusão médio de GIK de quatro horas e de glicemias transoperatórias significativamente mais baixas. Nos estudos de Rogers et al. [28], a administração de solução de GIK composta por 300g de glicose, 50 UI de insulina e 80 mEq de potássio em 1000ml de água, a uma taxa média de infusão de 1,5 ml/kg/h, era necessária para reduzir significativamente a concentração plasmática de AGL. No trabalho de Szabó et al. [12], o grupo de pacientes diabéticos que recebeu altas doses GIK teve modificado seu padrão de consumo de substrato com incremento da utilização de lactato e glicose, em substituição a AGL e beta-hidroxibutirato, após uma hora do início da infusão. Essa mudança metabólica foi acompanhada das modificações hemodinâmicas já descritas. O fato de não termos reduzido significativamente as concentrações plasmáticas de AGL na reperfusão pode explicar, em parte, o fato de não termos encontrado um significativo aumento de IC no grupo de intervenção. É possível que uma taxa de infusão maior proporcione uma redução mais acentuada de AGL plasmáticos e potencialize o efeito do tratamento com GIK.

As variáveis clínicas ICE, inserção de BIA e IAM também não diferiram nos grupos GIK e controle. Houve, no entanto, um significativo número de complicações por infecção, quando tomadas como desfecho agrupado, entre os indivíduos do grupo controle. Sabe-se que a utilização perioperatória de infusão contínua de insulina e a otimização do controle glicêmico estão relacionadas à redução da ocorrência de mediastinite em diabéticos [29]. Rassias et al. [30] publicaram, em 1999, ensaio clínico demonstrando que a infusão contínua de insulina e rigoroso controle da glicemia no transoperatório de CRM de pacientes diabéticos melhoram a função dos neutrófilos, determinada pela atividade fagocítica dos mesmos e aumentam a quantidade de neutrófilos, mesmo em pacientes não diabéticos [31]. Ainda que esse seja um objetivo secundário do nosso trabalho e tenha sido significativo apenas como desfecho agrupado, o resultado sugere um efeito benéfico da GIK, uma vez que a literatura nos dá subsídio teórico do efeito do controle glicêmico na redução de infecção PO.

Nenhum estudo, até o momento, avaliou o efeito da GIK na mortalidade de diabéticos submetidos à CRM. As atuais evidências de que o seu efeito influencia na evolução desses pacientes, não só na modificação de seu perfil hemodinâmico, mas também na manutenção da glicemia e na redução da ocorrência de infecções PO, torna importante essa avaliação por ensaios clínicos desenhados para desfechos de mortalidade.

Por fim, nosso estudo não foi capaz de determinar se a utilização de GIK aumenta o IC ou, ainda, se reduz a necessidade de agentes inotrópicos e vasodilatadores no PO de CRM de pacientes diabéticos. Um maior número de pacientes deve ser estudado a fim de esclarecer essa questão. No entanto, demonstrou-se que há um melhor controle glicêmico com o uso de GIK, não ocasionando complicações hipoglicêmicas. Considerando que a hiperglicemia é, isoladamente, um fator de risco para complicações PO, em especial relacionadas à infecção, nossos resultados sugerem que um controle glicêmico rigoroso nesses pacientes é benéfico.


AGRADECIMENTOS

"Agradecemos a colaboração da Profª Dra. Sandra Costa Fuchs pelas orientações e correções do trabalho; aos colegas Dr. Clóvis Manfredini Rigoni, Dr. Jorge Tadeu Reali, Dr. José Luiz Pretto, Dr. Ibsen Suetônio Trindade, Dr. Álvaro Soares e Dr. Carlos Alberto Mattos pela avaliação dos pacientes; aos acadêmicos Aiglon Moura Simas Neto, Edilson Walter, Cláudia Schossel Schavinski, Daniel Albrecht Iser, Diego Ribeiro, Fabiana Regina Martinello, Janine Deliberali, Marcelo André Ludwig, Sheila Matielo pelo auxílio na coleta de dados; ao Hospital São Vicente de Paulo, nas pessoas do Sr. Hilário De Davi e Dr. Rudha Jorge, que sempre se mostraram solidários às necessidades da nossa pesquisa; Aos colegas do SAR (Serviço de Anestesiologia e Recuperação); À equipe do Centro Cirúrgico do HSVP, em especial ao Sr. Adimilson Oliveira da Silva, pela inestimável colaboração; À equipe do CTI Cardiológico do HSVP; À equipe do laboratório SANI HSVP, em especial ao Dr. Sérgio Fuentefria.


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