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RELATO DE CASO

Malformação ílio-femoral

Mangala M. PAII; Latha V. PRABHUII; Praka SHIII; Varsha NAYAKIV

DOI: 10.1590/S0102-76382006000400019

INTRODUÇÃO

A aorta abdominal inicia-se no hiato aórtico médio do diafragma, descendo anteriormente à vértebra lombar para terminar ao nível da quarta vértebra lombar, um pouco à esquerda da linha média, dividindo-se para formar as artérias ilíacas comuns direita e esquerda. Gray relata que em três quartos dos casos a aorta bifurca-se ou na quarta vértebra lombar, ou na fibrocartilagem entre essa e a quinta vértebra; a bifurcação sendo, em um caso de cada nove, abaixo, e em um caso de cada 11, acima deste ponto [1]. As artérias ilíacas comuns divergem no seu trajeto descendente e dividem-se em artérias ilíacas internas e externas próximas ao nível do disco intervertebral lombossacral, antes da junção sacroilíaca. O ponto de divisão está sujeito a grande variedade [2].

As artérias ilíacas externas são maiores do que as internas e se estendem da bifurcação ilíaca comum até o ponto médio-inguinal, adentram na coxa posteriormente ao ligamento inguinal onde se tornam as artérias femorais. Além de pequenas ramificações musculares para os psoas, a artéria não tem ramificações até as artérias epigástricas inferior e ilíaca circunflexa profunda surgirem próximo a sua terminação. Aproximadamente um centímetro distal ao ligamento inguinal, as artérias ilíaca circunflexa superficial, epigástrica superficial e pudenda superficial externa se formam da artéria femoral. A artéria femoral profunda [AFP] é um grande ramo emergindo lateralmente da femoral em aproximadamente 3,5 cm distal ao ligamento inguinal. Sua origem é algumas vezes medial, ou raramente posterior na artéria femoral; no caso do primeiro, ele pode cruzar anteriormente à veia femoral e então passar em sentido contrário em volta de seu lado medial [1] (Figura1).


Fig. 1 - Fotografia da região pélvica. A aorta abdominal (AA) é vista dividindo no nível superior, assim como também a artéria ilíaca comum direita (ICD). Os ramos terminais da artéria ilíaca externa (IE), isto é, a artéria epigástrica inferior (AEI) e artéria ilíaca profunda circunflexa (AICP) podem ser vistos. II é a artéria ilíaca interna.


Em 430 dissecções, Quain descobriu que a distância do ligamento inguinal até a origem da profunda estava entre 2,5 e 5,1 cm em 68%; dessas, a distância era entre 2,5 e 3,8 cm em 42,6%. Essa distância era menor do que 2,5cm em 24,6% das coxas e mais do que 5,1cm em apenas 7,4% [3]. Aqui nós descrevemos um caso raro de origen precoce da ilíaca comum, ilíaca externa e interna e AFP associada com outras variações arteriais.

RELATO DO CASO

Durante dissecção de rotina, uma forma de artéria anormal foi observada em um cadáver do sexo masculino com 65 anos. A aorta abdominal estava consideravelmente deslocada lateralmente e também bifurcada nas artérias ilíacas comuns num nível mais alto, perto da vértebra L3. A artéria ilíaca comum direita seguiu um padrão similar e terminou nas artérias ilíacas, interna e externa no nível da vértebra L4. A artéria ilíaca externa direita deu origem as suas ramificações normais e continuou como artéria femoral além do ligamento inguinal. A AFP originou como a primeira ramificação da artéria femoral quase 1,2cm abaixo do ligamento inguinal. As artérias femorais circunflexas mediais e laterais ramificaram da AFP de maneira usual mas estavam muito tortuosas.

Um ramo fino foi formado da artéria femoral distal para a AFP de seu aspecto anteromedial o qual dividiu em três ramos; as artérias epigástricas superficial, a superficial e artérias pudendas externas profundas. A artéria circunflexa superficial estava claramente ausente. Os outros ramos da artéria femoral e AFP estavam normais. A artéria femoral e a veia femoral profunda estavam de acordo com a normalidade.

DISCUSSÃO

Anomalias interessantes na origem e curso das artérias principais dos membros inferiores têm recebido grande atenção dos anatomistas e cirurgiões [4]. Elas resultam normalmente de anormalidades embriológicas da rede arterial no membro inferior. O desenvolvimento embriológico do plexo vascular do membro inferior é baseado na seleção incomum de canais, alguns dos quais evoluem enquanto outros se atrofiam e desaparecem, estabelecendo, deste modo, o padrão final. Antes das artérias pélvicas e femorais surgirem como vasos sanguíneos independentes da rete pelvicum e rete femorale respectivamente, a corrente sanguínea destinou para este território fazer uma escolha imprevista de canais de fornecimento [5,6].

Em quase 80 % dos casos a aorta bifurca 1,25 cm acima ou abaixo do nível da crista ilíaca, mais freqüentemente abaixo do que acima [2]. Neste caso, a aorta bifurcou ao nível da vértebra L3 a qual se encontra acima do plano supracristal. Em dois terços dos casos, a divisão de artérias ilíacas comuns estava entre a última vértebra lombar e a borda superior do sacro; sendo acima daquele ponto em somente um caso em cada oito, e abaixo disso em um caso em cada seis [2]. O nível de divisão de artéria ilíaca comum estava em L4, uma vértebra mais acima do que o seu nível de terminação normal. A origem da AFP também estava mais acima, 1,2 cm abaixo do ligamento inguinal. Os dados de Quian mostram que a origem da AFP é 0-1,3 cm abaixo do ligamento inguinal em 13 casos e 1,3-2,5 cm abaixo em 86 casos [3] (Figura2).


Fig. 2 - A fotografia da extremidade inferior direita. A artéria femoral (AF) dando origem a artéria femoral profunda (AFP) 1,2 cm abaixo do ligamento inguinal (LI). São marcados os outros ramos da AF; isto é a artéria epigástrica superficial (AES), artéria pudenda externa superficial (APES) e artéria pudenda externa profunda (APEP). A APEP dirige-se para a grande veia safena magna (VSM). As artérias femorais circunflexas laterais e mediais são tortuosas (AFCL) e (AFCM). A veia femoral profunda (VFP) drena na veia femoral no nível normal.


Isto mostra que apenas em 3% dos casos a AFP tem uma origem muito alta. O conhecimento do local de origem da artéria profunda ajuda evitar formação de fistulas arteriovenosas femorais iatrogênicas enquanto se realiza a punção da artéria femoral [7]. Além disso, o local preferido da ligação da artéria femoral é proximal a origem da femoral profunda para garantir vascularização da extremidade inferior via anastomoses do complexo das femorais profundas com os ramos da artéria poplítea.

A arteriografia ainda é o meio principal de investigação das doenças arteriais oclusivas periféricas. Arteriografias periféricas são usadas para diagnostico de doenças vasculares, demonstração da vascularização de doenças malignas e para identificar doenças inerentes ao sistema arterial [7]. A femoral e AFP são usadas por várias técnicas de imagem. Em vista da expansão de âmbito da radiologia intervencionista este relato do caso com variação arterial múltipla ganha importância.

A presença inesperada de vasos variantes pode se tornar um problema de grande preocupação para ortopedistas, urologistas, ginecologistas e cirurgiões gerais, que podem realizar procedimentos cirúrgicos nesta área.

REFERÊNCIAS

1. Annister LH, Berry MM, Collins P. Gray's anatomy. In: Cardiovascular system. 38th ed. London: Churchill Livingstone;1995. p.1558-68.

2. Gray H. Anatomy of the human body. The common iliac arteries. Accessed on August 25, 2006. Disponível em: http://www.bartleby.com/107/155.html

3. Bergman RA, Thompson SA, Afifi AK, Saadeh FA. Compendium of human anatomic variation: catalog, atlas and world literature. Baltimore:Urban & Schwarzenberg;1988.

4. Sarikcioglu L, Sindel M. Multiple vessel variation in the retropubic region. Folia Morphol. 2002;61(1):43-5.

5. Bilgic S, Sahin B. Rare arterial variation: a common trunk from the external iliac artery for the obturator, inferior epigastric and profunda femoris arteries. Surg Radiol Anat. 1997;19(1):45-7.

6. Sanudo JR, Roig M, Rodriguez A, Ferreira B, Domenech JM. Rare origin of the obturator, inferior epigastric and medial circumflex femoral arteries from a common trunk. J Anat. 1993;183(Pt 1):161-3.

7. Dixit DP, Mehta LA, Kothari ML. Variations in the origin and course of profunda femoris. J Anat Soc India. 2001;50(1):6-7.


NOTA DO EDITOR

O presente artigo é anatômico e trata de uma anomalia rara. Estamos publicando na RBCCV em virtude do acesso femoro-ilíaco ser importante em casos de cirurgia cardíaca e na introdução de próteses endovasculares. Conhecer as variações anatômicas é importante para os cirurgiões cardiovasculares.

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