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ARTIGO ORIGINAL

Eficácia do AlCl3 e etanol na prevenção da calcificação de fragmentos da parede aórtica porcina fixados em GDA

Evandro Antonio SardetoI; Francisco Diniz Affonso da CostaII; Iseu do Santo Elias Affonso da CostaIII; João Gabriel RoderjanIV; Eduardo DischerV; Ricardo Alexandre SCHNEIDERI; Carlos Henrique Gori GOMESVI; Claudinei CollatussoVI; Daniel PrécomaVII; Andrea DumschI; Sergio Veiga LopesI; Jairo LealVI

DOI: 10.1590/S0102-76382006000400011

INTRODUÇÃO

A substituição de valvas cardíacas por próteses é, atualmente, procedimento rotineiro. Entretanto, apesar de todos os avanços tecnológicos, o substituto valvar ideal ainda não é disponível.

Existem dois tipos básicos de próteses: as biológicas e as mecânicas. As próteses biológicas apresentam bom desempenho hemodinâmico, estão associadas a baixa incidência de fenômenos tromboembólicos, mesmo na ausência de terapia anticoagulante. A maior desvantagem é a durabilidade limitada, especialmente em crianças e pacientes jovens, nos quais a degeneração por calcificação é precoce.

Já as próteses mecânicas são duráveis, entretanto, por apresentarem incidência elevada de complicações tromboembólicas, necessitam de anticoagulação sistêmica permanente. Em populações de baixa condição socioeconômica, como no Brasil, as dificuldades em se manter uma anticoagulação efetiva limitam, de forma significativa, seu uso.

Tecidos biológicos têm sido utilizados como substituto valvar desde de 1962, quando uma valva aórtica humana fresca foi transplantada [1]. A partir de então, vários substitutos biológicos foram testados.

No final da década de 1960, um passo importante foi dado, quando Carpentier et al. [2] introduziram o glutaraldeído (GDA) na fixação de próteses porcinas. Ionescu et al. [3], na década de 1970, idealizaram a valva de pericárdio bovino, também preservada em GDA. No Brasil, Braile et al. [4] foram responsáveis pelo desenvolvimento de próteses de pericárdio bovino preservadas em GDA.

O sucesso do GDA com fixador de tecidos biológicos em próteses valvares foi decorrente da sua eficácia em estabilizar o tecido, reduzir de forma significativa a antigenicidade tecidual, além de ser agente esterilizante. Entretanto, mais recentemente, o GDA tem sido apontado como facilitador da calcificação observada tardiamente com as próteses valvares [5].

Com o objetivo de melhorar a durabilidade das próteses biológicas, diversos tratamentos anticalcificantes vêm sendo testados, com graus variados de sucesso [6,7]. Dentre eles, o etanol e o cloreto de alumínio foram capazes de retardar o processo de calcificação, tanto em modelos animais como em seres humanos.

Estudos anteriores, realizados no Laboratório de Cirurgia Experimental da PUC-PR, demonstraram que, tanto no modelo subcutâneo de ratos como na circulação de ovinos, o etanol foi eficiente em prevenir a calcificação de cúspides valvares porcinas previamente fixadas em GDA. Entretanto, o mesmo não ocorreu na parede arterial aórtica [8]. O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia do cloreto de alumínio isolado e do cloreto de alumínio associado ao etanol na prevenção da calcificação e da resposta inflamatória de fragmentos de parede aórtica porcina fixados em GDA, quando implantados na tela subcutânea de ratos jovens.

MÉTODO

Este trabalho foi realizado nos laboratórios da Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), da Cardioprótese Ltda, de Patologia Experimental da PUC-PR e no Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (LACTEC).

O Comitê de Ética em Pesquisa com Animais da PUC-PR aprovou este experimento sob o registro no CEPA/PUC-PR nº 94.

Todos os condutos valvados aórticos (Cardioprótese®) foram previamente fixados em GDA 0,5% em solução tampão fosfato, com pH 7,4, por 72 horas, em temperatura ambiente (fixação padrão). Após a fixação inicial, as valvas foram distribuídas em três grupos distintos, de acordo com o tratamento químico adicional (Tabela 1).



As valvas do grupo I ou grupo controle receberam o tratamento convencional empregado em biopróteses comercialmente disponíveis, isto é, após a fixação inicial com GDA 0,5%, foram estocadas em solução tamponada com GDA 0,2%, até o momento do implante.

As valvas dos grupos II e III, após fixação inicial com GDA 0,5%, foram colocadas em frascos de vidro estéril e lavadas com 500ml de solução fisiológica de NaCl 0,9% (SSI), durante 15 minutos, a 37ºC, sob agitação contínua (Shaker-Quimis-Q225M) a 1700rpm, repetindo-se a lavagem três vezes para remover todo GDA residual.

Após a lavagem, as valvas do grupo II receberam tratamento com solução de AlCl3 0,1M, pH 3,0 em frasco estéril, durante 105 min, sob agitação a 1700rpm a 37ºC, com troca de solução em 50 minutos e estocadas em SSI.

Já as valvas do grupo III receberam tratamento com etanol a 80%, por 24 horas, seguindo-se tratamento com AlCl3 0,1M, pH 3,0, durante 105 min, sob agitação a 1700rpm, a 37ºC, com troca de solução em 50 minutos e também estocadas em SSI.

Terminado o tratamento químico, foram obtidos segmentos quadrangulares da parede arterial dos condutos retirados da aorta ascendente, logo acima da junção sinotubular e medindo aproximadamente 0,5cm², com espessura entre 4 e 6 mm.

Foram utilizados 15 ratos (Ratus norvergicus), com 21 dias de idade, da linhagem Sprague-Dawley. O peso variou entre 50 e 70 gramas. Foram divididos em três grupos de cinco animais cada ( I, II, III), de acordo com o tipo de tratamento químico dos fragmentos de parede aórtica porcina, como demonstrado na Tabela 2.



Em cada animal, foram implantados três segmentos de conduto aórtico, de acordo com o demonstrado na Tabela 1, sendo um na região lombar (L), outro na região tóraco-lombar (TL) e o último na região escapular (E). Os fragmentos foram, subseqüentemente, explantados, com 15, 30 e 60 dias, respectivamente.

Após o último explante, os animais foram sacrificados por indução de morte com dióxido de carbono em dessecador de vidro conectado ao cilindro de CO2.

Os fragmentos de conduto aórtico explantados foram divididos em duas partes. Da primeira, foram confeccionadas lâminas para estudo histopatológico, sendo que a segunda foi pesada e utilizada para quantificação de cálcio por espectroscopia de absorção atômica.

Nas lâminas coradas por HE, foram observadas as estruturas do tecido (matriz extracelular) e o infiltrado inflamatório, além de possíveis alterações histológicas que pudessem representar calcificação.

Para esse estudo, criamos, arbitrariamente, uma classificação para a quantificação do infiltrado inflamatório, que foi assim dividido: 0 - ausente, 1 - leve a moderado, 2 - intenso (Tabela 3).



Além da coloração HE, as amostras foram coradas com alizarina pH 4,2 (específico para corar cristais de fosfato e carbonato de cálcio) e com alizarina pH 7,0 (específico para corar cristais de oxalato de cálcio), para análise detalhada dos padrões de calcificação. A calcificação observada nas lâminas coradas com alizarina foi quantificada pela análise morfométrica. As aferições foram feitas pela análise de três áreas de cada lâmina: canto superior esquerdo (CSE), centro (C), canto inferior direito (CID). Utilizando a função de contagem e comparação de classes, foram realizadas as análises dos tecidos, resultando em uma porcentagem de tecido calcificado por campo estudado.

Marcaram-se em verde todas as estruturas características e coradas para calcificação. Marcaram-se em amarelo os tecidos não calcificados. Para estabelecer uma porcentagem de calcificação no tecido, foi calculada a média aritmética dos três campos da mesma lâmina.

Amostras de parede aórtica foram submetidas a solubilização com ácido clorídrico em solução aquosa 50% e enviadas ao Laboratório do Instituto para o Desenvolvimento (LACTEC-PR), para determinação quantitativa do cálcio.

Análise estatística

As variáveis analisadas foram a quantificação de cálcio por espectroscopia de absorção atômica, assim como os dados de morfometria. Para a análise do infiltrado inflamatório, os tipos 0 e 1 foram unificados em um grupo, sendo o outro grupo constituído dos infiltrados do tipo 2.

Para a análise das variáveis de calcificação, os grupos foram comparados usando-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis. A avaliação do efeito do tempo foi realizada comparando-se os momentos de avaliação.

Para tanto, foi usado o teste não paramétrico de Friedman e o teste não paramétrico de Wilcoxon para as comparações múltiplas. Para a análise das variáveis relacionadas ao infiltrado inflamatório, na comparação dos grupos foi usado o teste exato de Fisher e na comparação dos momentos foi usado o teste binomial. O nível de significância adotado foi de 0,05. Nas comparações múltiplas, foi usada a correção de "Bonferroni" (p<0,0167 indicam significância estatística), mantendo-se, assim, o nível global de 0,05.

RESULTADOS

Houve um óbito no pós-operatório imediato de um animal do grupo controle, causado por hipoxia. Os demais tiveram boa evolução e os explantes realizados nas datas preconizadas.

Análise do infiltrado inflamatório e fibras da matriz extracelular nos condutos (HE)

Grupo I

Aos 15 dias, houve infiltrado inflamatório crônico, evidenciado pela presença de células mononucleares. As fibras da matriz extracelular permaneceram íntegras e com preservação de sua organização original, mantendo sua orientação original e a proximidade uma das outras, sem evidência de rompimento ou afastamento. Já aos 30 dias, o infiltrado esteve mais intenso, avançando para o centro dos implantes. As fibras da matriz extracelular mantiveram sua organização original, porém, nas áreas com maior contato com o infiltrado inflamatório, pode-se evidenciar o rompimento de algumas das fibras. Aos 60 dias, o infiltrado inflamatório penetrava cada vez mais para o centro dos implantes, danificando bastante o tecido.

Grupo II

Aos 15 dias, observou-se a presença de células mononucleares, caracterizando reação inflamatória crônica. A organização das fibras da matriz extracelular estava preservada. Mesmo as fibras da matriz em contato com o infiltrado inflamatório permaneceram intactas. Já aos 30 dias, mesmo na presença de reação inflamatória, não houve avanço destas células para o interior dos implantes. Permaneceu a integridade organizacional das fibras da matriz extracelular. Aos 60 dias, as células mononucleares continuavam presentes, entretanto, ao contrário do que aconteceu no grupo I, não se evidenciou danos às fibras da matriz extracelular.

Grupo III

Aos 15 dias, ao contrário dos dois grupos anteriores, não foram observadas células inflamatórias. As fibras da matriz permaneceram organizadas e sem danos estruturais. Com 30 dias, não houve evidência de infiltrado inflamatório. As fibras da matriz continuavam mantendo o padrão original de organização. Não foram observados sinais de calcificação. Mesmo após 60 dias, não houve presença de reação inflamatória. As fibras preservaram a sua organização original, mas, em alguns implantes, foi possível observar pequenas áreas com rompimento, onde foram visibilizados pequenos agregados em forma de cristais e que eventualmente pudessem representar o início do processo de calcificação (Figura 1).


Fig. 1- Fotomicrografia de condutos aórticos dos três grupos estudados, nos três períodos observados (hematoxilina & eosina 100X). No grupo I, com o passar do tempo há um avanço do infiltrado inflamatório para o centro do implante, levando ao rompimento das fibras da matriz. No grupo II, não se observa invasão do infiltrado para o interior do implante. No grupo III, não há evidência de células mononucleares


Análise quantitativa do infiltrado inflamatório nos condutos

Os resultados da quantificação da reação inflamatória nas paredes aórticas dos três grupos estudados estão na Figura 2.


Fig. 2 - Porcentual da presença da reação inflamatória intensa, nos três grupos estudados, ao longo do tempo


Ficou evidente que as paredes aórticas do grupo III provocaram resposta inflamatória menos intensa quando comparado com os grupos I e II.

Quando analisados do ponto de vista estatístico, não houve diferença entre os grupos I e II, porém o grupo III teve infiltrado inflamatório significativamente menor que os outros dois.

Análise da calcificação dos condutos pela coloração alizarina no pH 4,2

Grupo I

Com 15 dias, já podia ser observada grande quantidade de cristais de fosfato de cálcio. Com 30 dias, houve presença de grande quantidade de focos de calcificação, iniciando na periferia e se estendendo por todo tecido. Aos 60 dias, o tecido encontrava-se totalmente calcificado.

Grupo II

Com 15 dias, observam-se focos de calcificação pequenos e dispersos corados em vermelho. Aos 30 dias, observou-se que os focos de calcificação eram maiores que no período anterior, porém continuavam pontuais. Mesmo aos 60 dias, os focos de calcificação continuavam discretos.

Grupo III

Aos 15 dias de evolução, não houve evidências de calcificação. Aos 30 dias, também não se observou calcificação. Mesmo com 60 dias, não houve calcificação evidente. Ocasionalmente, pôde-se observar alguma calcificação pontual sobre o núcleo das células (Figura 3).


Fig. 3 - Fotomicrografias de condutos aórticos dos três grupos estudados, nos três períodos observados (alizarina 100X). No grupo I, com o passar do tempo, observa-se invasão da calcificação por todo o implante com 15 dias de evolução. No grupo II, observa-se focos dispersos. No grupo III, no final do período, observa-se foco pontual de calcificação


Análise morfométrica da calcificação dos condutos (coloração Alizarina pH 4,2)

A morfometria da calcificação dos condutos aórticos nos três grupos, encontra-se ilustrada na Figura 4.


Fig. 4 - Porcentual da presença de calcificação, nos três grupos estudados, ao longo do tempo: análise morfométrica


O grupo I apresentou as maiores médias de calcificação. No grupo tratado com alumínio (grupo II), quando comparado ao grupo I, os níveis de cálcio não foram estatisticamente significantes (p=0,0864). O grupo tratado com etanol + alumínio (III) foi o que apresentou os menores índices de cálcio, sendo estatisticamente significante quando comparado aos grupos I (p=0,0143) e II (p=0,0090).

Análise da calcificação dos condutos pela coloração alizarina no pH 7,0

Grupo I

Com 15 dias, observaram-se muitas áreas de calcificação finas e dispersas. Nota-se que, diferente do fosfato, os outros sais de cálcio formam cristais pequenos. Com 30 dias, foi observada a presença de muitas áreas de calcificação, maiores que no período anterior. Os condutos estavam bastante calcificados, o que foi evidenciado pela deposição de cristais de oxalato de cálcio.

Grupo II

Com 15 dias, observou-se o início do processo de calcificação em áreas coradas em vermelho. Aos 30 dias, foram observados poucos focos de calcificação. Já aos 60 dias, observaram-se focos de calcificação, formados por deposição de cristais muito pequenos de oxalato de cálcio.

Grupo III

Com 15 dias, não foram observados sinais de calcificação. Aos 30 e 60 dias, também não se observou calcificação (Figura 5).


Fig. 5 - Fotomicrografias de condutos aórticos dos três grupos estudados, nos determinados tempos de observação (alizarina 100X). No grupo I, observa-se progressão da calcificação com o passar do tempo (cristais de oxalato de cálcio). No grupo II, observa-se calcificação fina, sem alterar a integridade da matriz extracelular. No grupo III, há ausência total de calcificação em todos os períodos


Análise morfométrica da calcificação dos condutos (coloração Alizarina pH 7,0)

A morfometria da calcificação dos condutos aórticos nos três grupos encontra-se ilustrada na Figura 6.


Fig. 6 - Análise morfométrica da calcificação dos condutos, nos três períodos estudados


O grupo I apresentou as maiores médias de calcificação. No grupo tratado com alumínio (grupo II), já se observa diminuição significativa dos níveis de cálcio quando comparado ao grupo I, sendo estatisticamente significante (p=0,0143). O grupo tratado com etanol+alumínio (III) foi o que apresentou os menores índices de cálcio,sendo estatisticamente significante quando comparado ao grupo I (p=0,0143) e quando comparado ao grupo II (p=0,0090).

Análise da calcificação dos condutos pela espectroscopia de absorção atômica

Grupo I

Neste grupo, observamos que os níveis de calcificação aumentaram progressivamente. A quantidade de cálcio medida foi de 1,56±0,64mg de cálcio por grama de tecido, aos 15 dias, seguido de 2,93±0,58mg/g, aos 30 dias e 3,80±0,79mg/g, aos 60 dias.

Grupo II

Neste grupo, os níveis de cálcio medidos foram 1,79±0,20mg/g, aos 15 dias, seguido de 1,07±0,25mg/g, aos 30 dias e 1,68±0,40mg/g, aos 60 dias.

Grupo III

Neste grupo, os valores quantificados foram 1,56±0,37mg/g, aos 15 dias, seguido de 1,01±0,06mg/g, aos 30 dias e 1,44±0,52mg/g, aos 60 dias.

Os níveis de cálcio observados pela espectroscopia por absorção atômica mostraram que houve significância estatística dos grupos III (p=0,0143) e II (p=0,0143) em relação ao I, mas não do grupo III em relação ao II ( p=0,3472). Estes dados encontram-se ilustrados na Figura 7.


Fig. 7- Análise pela espectroscopia de absorção atômica da presença de calcificação, nos três grupos estudados, ao longo do tempo


DISCUSSÃO

É bem determinado que novos tratamentos para a prevenção da calcificação de tecidos biológicos empregados na confecção de próteses valvares cardíacas devem ser adequadamente testados em animais de experimentação, antes de serem utilizados clinicamente [9].

Do ponto de vista prático, recomenda-se que a avaliação inicial seja feita em modelos mais simples e baratos, passando para os experimentos mais complexos em fases subseqüentes [10]. Nosso estudo representa a avaliação inicial de eficácia de etanol combinado com o cloreto de alumínio na prevenção da calcificação de parede aórtica porcina, e por esse motivo foi realizado com o implante de fragmentos de tecidos na tela subcutânea de ratos.

Da mesma forma que outros autores, optamos pela utilização de ratos da raça Sprague-Dawley, visto que apresentam maior resposta inflamatória e calcificação mais intensa e acelerada quando comparados aos ratos da linhagem Wistar [11]. Além disso, foram empregados animais jovens de apenas três semanas de idade, pois seu metabolismo de cálcio é bem mais ativo do que em ratos velhos.

O mecanismo de ação do etanol como agente anticalcificante é multifatorial e ainda não completamente compreendido.

Vyavahare et al. [12] demonstraram que o tratamento com etanol 80% por 24 horas, em cúspides valvares porcinas previamente fixadas pelo glutaraldeído, causou mudanças na conformação das fibras colágenas que as tornaram mais resistentes à digestão pela colagenase, assim como também alteraram a interação das cúspides valvares com proteínas e lipídeos plasmáticos, diminuindo de forma significativa a absorção de colesterol. Quando implantadas na tela subcutânea de ratos por 60 dias, as cúspides valvares tratadas com GDA apresentaram níveis de cálcio muito elevados (236±6µg/mg de tecido), enquanto que as tratadas com GDA e etanol não calcificaram, com níveis de cálcio semelhantes aos observados antes do implante (1,87±0,29µg/mg de tecido). Esses achados foram, subseqüentemente, confirmados no modelo circulatório de ovinos, onde não se evidenciou calcificação das cúspides de próteses mitrais com até 150 dias de evolução.

Nosso grupo de pesquisa na PUC-PR vem estudando diversos tratamentos químicos alternativos na prevenção da calcificação de tecidos biológicos, incluindo o uso do etanol. Estudos realizados por Soncini da Rosa et al. [8] comprovaram que o etanol foi eficiente na prevenção da calcificação de cúspides valvares implantadas no tecido subcutâneo de ratos por até 60 dias de evolução.

Além do etanol, outras substâncias também se mostraram úteis como agentes anticalcificantes em cúspides valvares porcinas, entretanto, não foram eficientes para inibir a calcificação na parede aórtica. Isso se deve a grande quantidade de elastina presente na parede aórtica, cujo mecanismo de calcificação é diferente daquele observado nas cúspides valvares, onde o tecido é predominantemente constituído de fibras colágenas.

Mais recentemente, Clark et al. [13] demonstraram que o tratamento químico de paredes aórticas com AlCl3 foi eficiente para prevenção de sua calcificação. Os efeitos do alumínio se devem a sua ligação com a elastina, o que causa uma alteração estrutural permanente, que resulta em resistência à calcificação. Outros efeitos do alumínio incluem a inibição da atividade da fosfatase alcalina, da elastólise mediada pelas metaloproteinases, além da regulação da proteína Tenascina C, presente na matriz extracelular das paredes aórticas.

Segundo Bailey et al. [14], as metaloproteinases da matriz são liberadas pela ação das células do infiltrado inflamatório, propiciando a digestão das fibras por elastólise. Isso, por sua vez, ocasiona a exposição de sítios de ligação carregados negativamente, onde ocorrerá a deposição de cálcio iônico.

Nosso estudo representa uma continuação do trabalho iniciado por Soncini da Rosa et al. [8] e visa obter uma combinação de tratamentos químicos que possam inibir a calcificação da parede aórtica porcina previamente fixada em GDA. Assim sendo, nosso objetivo primordial foi testar a eficiência do AlCl3, sozinho ou em combinação com o etanol, na parede arterial.

Confirmando os achados de Clark et al. [15] e Ogle et al. [16], nossos resultados demonstraram que o uso isolado do AlCl3, quando comparado ao grupo controle, foi eficiente em diminuir a calcificação da parede aórtica porcina. Isso pode ser evidenciado tanto pela medição dos níveis de cálcio por espectroscopia como pelas colorações de Alizarina nos pHs de 4,2 e 7,0. Entretanto, a análise detalhada dos achados histológicos, assim como a morfometria dos depósitos de cálcio nas colorações de Alizarina, demonstraram que a associação de AlCl3 com etanol resultou em menor infiltrado inflamatório e melhor preservação da matriz extracelular do que no grupo tratado somente com AlCl3. Isso provavelmente se deveu à ação sinergística dos dois agentes, que resulta em um tecido mais estável e biocompatível.

Apesar da maioria dos estudos sobre calcificação em próteses valvares empregar a coloração de Von Kossa, em nossos estudos, fizemos a opção pela Alizarina, visto que esta pode ser empregada com pHs distintos e diferenciar a calcificação causada por cristais de oxalato de cálcio daquelas ocasionadas por carbonato ou fosfato de cálcio. Sendo o processo de calcificação multifatorial, o uso de técnicas mais específicas poderá fornecer informações mais detalhadas para melhor compreensão dos mecanismos envolvidos e para o desenvolvimento de métodos mais eficientes de sua prevenção.

Na literatura consultada, somente o estudo de Vyavahare et al. [17] empregou a coloração alizarina, mesmo assim somente com pH 7,0. Revisando a literatura, constatamos que nosso estudo é o primeiro da literatura a utilizar essa coloração nos pHs de 4,2 e 7,0. Além disso, a morfometria das lâminas histológicas coradas pela alizarina foi importante para melhor quantificar a calcificação, quando comparado com o aspecto mais subjetivo da simples observação das lâminas.

Pela observação pormenorizada de nossos achados, podemos postular a presença de pelo menos duas vias importantes para a ocorrência da calcificação. A primeira seria decorrente dos efeitos deletérios do infiltrado inflamatório na matriz extracelular, e a segunda pela afinidade química do cálcio iônico em sítios de ligação nas moléculas da matriz. Dessa forma, pudemos evidenciar a deposição de cálcio tanto em áreas diretamente relacionadas com o infiltrado inflamatório em áreas danificadas da matriz, assim como em áreas distantes, onde a matriz estava bem preservada.

A morfologia desses depósitos de cálcio diferem entre si, demonstrando a característica multifatorial do processo, e só puderam ser evidenciadas porque empregamos as colorações de Alizarina com pHs diferentes.

Carpentier et al. [2] realizaram estudo clássico avaliando as interações biológicas em pacientes submetidos a próteses valvares. Demonstraram que a presença de células inflamatórias dentro do tecido valvar estavam associadas com maior incidência de degeneração e calcificação. Schoen et al. [18] também demonstraram que próteses valvares cardíacas induzem uma reação imunológica, e que as células presentes no tecido valvar são imunocompetentes e capazes de levar à destruição tecidual. Nosso estudo demonstra, inequivocamente, que a associação de etanol com cloreto de alumínio foi capaz de reduzir o infiltrado inflamatório quando comparado ao grupo controle, o que certamente colaborou para os melhores resultados nesse grupo.

Apesar de nossos resultados serem bastante encorajadores, alguns aspectos ainda precisam ser elucidados antes que essa metodologia seja extrapolada para uso clínico.

Da mesma forma com o que aqui foi observado, Ogle et al. [16] demonstraram excelentes resultados no modelo de ratos, entretanto, quando testados no modelo circulatório de ovinos, os resultados não corresponderam ao esperado, com calcificação acentuada das cúspides valvares. Posteriormente, foi demonstrado por Clark et al. [15] que, quando as cúspides valvares eram submetidas a tempos de exposição muito prolongados ao alumínio, ocorreu a calcificação, entretanto, quando se limitou o tempo de exposição, as cúspides estiveram livres de calcificação. Por esses motivos, nossa linha de pesquisa deverá ser continuada e testada em ovinos com longos períodos de observação. Além disso, nossos achados demonstraram que, ocasionalmente, os depósitos de cálcio se iniciaram nos restos celulares presentes na matriz. Por isso, a decelularização pode, eventualmente, ser um adjunto importante para a prevenção da calcificação dessas próteses, e também deverá ser avaliada no futuro.

Cumpre ressaltar que o alumínio em altas concentrações pode ser tóxico, sendo necessário incluir, nesses estudos, a avaliação não somente dos níveis plasmáticos de alumínio, mas também dos seus eventuais efeitos deletérios nos diversos órgãos dos animais de experimentação.

Tendo em vista as vantagens do uso de próteses porcinas implantadas com a técnica de substituição total da raiz aórtica, torna-se fundamental o emprego de tratamentos químicos que retardem ou eliminem a calcificação, não só das cúspides, como também da parede arterial dos condutos. Os resultados aqui demonstrados sugerem que a combinação do etanol com o cloreto de alumínio possam representar uma excelente alternativa, e, eventualmente, terem aplicação na prática clínica.

CONCLUSÃO

O tratamento com cloreto de alumínio diminuiu a calcificação dos fragmentos de parede aórtica porcina preservada em GDA, implantados na tela subcutânea de ratos jovens. O uso combinado do etanol com cloreto de alumínio foi ainda mais eficiente em inibir a calcificação, e também em diminuir a reação inflamatória.

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