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ARTIGO DE REVISÃO

Reprocessamento de cateteres cardíacos: uma revisão

Silma Maria Cunha Pinheiro RIBEIROI; Kazuko Uchikawa GRAZIANOII; Michelle M. ALFAIII; Vania Regina GOVEIAIV

DOI: 10.1590/S0102-76382006000300014

INTRODUÇÃO

Paradoxalmente, o aumento do desenvolvimento tecnológico na área da Saúde tem sido acompanhado por uma preocupação em relação aos eventos adversos e custos do tratamento. De acordo com Merrit et al. [1], nos últimos 25 anos, a prática médica tem sido modificada. Inicialmente os artigos eram limpos, esterilizados e reusados, hoje os artigos médico-hospitalares são descartáveis. Atualmente, a prática do reuso de produtos médico-hospitalares de uso único implica na limpeza e reprocessamento desses materiais. A prática do reuso tem sido comum em diversos países do mundo, principalmente nos países em desenvolvimento, onde os custos são uma preocupação importante [2].

Existem três preocupações em relação à segurança do reuso de artigos médicos de uso único: eficácia da limpeza e esterilização, efeitos da limpeza, desinfecção e esterilização na integridade química, física e mecânica dos artigos e a segurança dos profissionais de saúde que reprocessam esses artigos [1]. Além disso, essa prática tem provocado uma grande preocupação em relação aos riscos adicionais para os pacientes devido à contaminação por agentes infecciosos, substâncias tóxicas, outras possíveis substâncias adversas, ou mesmo, em razão de incompatibilidade biológica ou quebra dos artigos médico-hospitalares [2].

As doenças cardiovasculares são a mais importante causa de morbidade e mortalidade em países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Estima-se que, no mundo inteiro, mais de 1 milhão de intervenções coronarianas são realizadas, imputando um tremendo risco financeiro e sobrecarga para a sociedade. Os procedimentos mais freqüentes são a angiografia e angioplastia das artérias coronárias. Uma estratégia para controlar os custos dos cateteres de angiografia e cateteres-balão é o reuso [3].

Os cateteres cardíacos são considerados como artigos complexos porque apresentam lúmen longo e estreito e balões que podem dificultar o reprocessamento (limpeza, empacotamento e esterilização). Eles devem ser submetidos aos processos de esterilização sob baixa temperatura por serem utilizados na corrente sangüínea, que é considerada uma topografia corporal estéril e por serem termossensíveis. Existem algumas questões a serem respondidas pela literatura, tais como: Quais as evidências sobre os efeitos do reprocessamento nos cateteres cardíacos? Qual a eficácia do reprocessamento e quais os riscos de doenças infecciosas e reações pirogênicas após o reuso de cateteres cardíacos?

O objetivo dessa revisão é descrever o estado da arte do reuso de cateteres cardíacos em relação aos efeitos do reprocessamento na integridade física, mecânica e funcional dos cateteres. Além disso, avaliar a eficácia das técnicas de limpeza e esterilização desses cateteres, bem como os riscos para os pacientes após o uso de cateteres reusados.

MÉTODO

Foi realizada uma pesquisa sem restrições de tempo, na língua inglesa, espanhola e portuguesa, na base de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Nesta pesquisa, foi utilizado o vocabulário controlado - Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) - em português e espanhol, como se segue: endotoxinas OR pirogenios OR angioplastia OR "cateterismo cardíaco" OR "cateter balão" OR "dilatacion con balon"; não tendo sido detectadas publicações relacionadas ao tema. Na base de dados Medline/Pubmed, foi empregado o vocabulário controlado para artigos indexados - Medical Subject Headings (MeSH) terms - como se segue: "Endotoxins" OR "Pyrogens" AND "Heart Catheterization" OR "Balloon Dilatation" OR "Angioplasty" OR "Angioplasty, Balloon" AND "Equipment Reuse". Nessa busca, foram obtidos 34 artigos. Ao se aplicar vocabulário livre: Endotoxins OR Pyrogens OR Pyrogenic AND "Heart Catheterization" OR "Balloon Dilatation" OR "Angioplasty" OR "Angioplasty, Balloon" OR "cardiac catheter" AND "Reuse", foram encontrados mais nove artigos, totalizando 43 artigos.

Nessa revisão, foram excluídos 34 artigos: 12 não eram relacionados ao tema, 11 relacionados com respostas cardíacas clínicas, nove editoriais e dois artigos de revisão. A fim de alcançar o objetivo proposto, 12 artigos foram obtidos em busca livre em árvore a partir de outros artigos. Assim, 21 publicações foram incluídas. Estas publicações foram categorizadas da seguinte forma: a) danos físicos e mecânicos (cinco artigos); b) eficácia da limpeza e esterilização (três artigos); c) reações pirogênicas (sete artigos) e d) doenças infecciosas (três artigos). Três artigos foram incluídos tanto na categoria danos físicos e mecânicos quanto eficácia da limpeza e esterilização.

RESULTADOS

Numa avaliação da literatura em relação aos danos mecânicos e físicos detectados nos cateteres de hemodinâmica após o reprocessamento, observa-se que existe uma grande diversidade de processos de limpeza de cateteres. Nos estudos apresentados na Tabela 1, Anderson et al. [4] demonstraram, numa magnificação de 200 vezes, que a superfície externa do cateter apresentava um aspecto ondulado e, numa magnificação de 670 vezes, a presença de arranhões, depressões e protusões. O mesmo aspecto foi observado na superfície interna do cateter. Os fios-guia metálicos (magnificação = 1520 vezes) revelaram-se ásperos e a presença de partículas seqüestradas entre os espirais sugeriam ser decorrentes de sangue ressecado. Os guias de Teflon (magnificação = 210 vezes) apresentaram protusões irregulares e fissuras. Bourassa et al. [5] compararam as alterações encontradas nos cateteres de poliuretano e de polietileno. Logo, os de poliuretano apresentaram maior rugosidade, com irregularidades difusas que numa magnificação de 300 vezes apresentavam um aspecto de farinha de aveia e, quando observadas sob 3000 vezes, eram identificadas numerosas cristas e depressões e, em algumas áreas, foram vistos grandes fissuras, furos e fendas.



Os cateteres de polietileno também apresentavam uma aspereza ondulada, com cristas e depressões e, em algumas áreas, foram visualizadas fibras que cruzavam sobre as cristas (magnificação = 300 vezes).

O aumento de 3000 vezes na magnificação permitiu a detecção de placas de material protuberante no topo das cristas. Nos dois tipos de cateter foram detectados trombos aderidos às superfícies internas e externas. Em relação à integridade mecânica, Mussivand et al. [6] detectaram que a pressão de estouro dos cateteres variou entre 13,6 e 21,1 atm e que os cateteres balões menores (2,0 e 2,5mm) têm uma pressão de estouro maior que os balões de 3,0mm. Nesse estudo, por meio da microscopia eletrônica, foi possível a visualização de partículas nos balões estourados, provavelmente resultantes do uso clínico ou manuseio durante o reprocessamento. Essas partículas não foram detectadas nos cateteres novos, cujas superfícies encontravam-se polidas, enquanto, as superfícies dos cateteres usados apresentavam fendas, ranhuras e depressões. Também foram visualizados fragmentos sugestivos de restos celulares ou depósitos proteináceos nas superfícies dos cateteres.

Mais recentemente, ainda na Tabela 1, Brown et al. [7] mostraram que os balões se tornam menos complacentes após simulações de reuso e re-esterilização em óxido de etileno e sugerem que esse efeito tende a ser cumulativo de acordo com o aumento do número de reusos. Em relação à pressão de estouro, alguns balões estouraram numa pressão superior à pressão determinada originalmente. De modo geral, os autores concluem que as alterações detectadas são modelo-específico. Unverdorben et al. [3] também testaram a integridade mecânica e funcional dos cateteres-balão. O perfil de cruzamento sofreu um aumento estatisticamente significante em todos os balões testados comparados aos balões novos. Os diâmetros nominais apresentaram grande variabilidade, predominando a redução do diâmetro dos balões. A redução do diâmetro foi inversamente proporcional ao número de reusos. Em relação à pressão de estouro nos balões de 1,5mm, os valores obtidos foram maiores que os novos e, nos balões de 3,0mm, os valores foram menores que os originais.

Na Tabela 2, estão resumidos os artigos que tinham por objetivo principal avaliar tanto a ocorrência de danos físicos e mecânicos como, também, a eficácia da esterilização.



Grimandi et al. [8] demonstraram a eficácia da esterilização usando a irradiação gama a 35 Kgray, porém, foi detectada a presença de endotoxinas ao final do processo. Mediante a microscopia eletrônica, detectaram que as superfícies de todos os cateteres novos e usados estavam ásperas e tinham depósitos de diferentes formas. Esse achado foi mantido após a re-esterilização, porém, alguns cateteres perderam parte do revestimento polimérico da superfície. Numerosos elementos celulares foram observados na superfície dos espirais dos cateteres-guia.

Da mesma forma, foi detectada, nas superfícies de alguns balões, a presença de traços de fluidos secos contendo elementos celulares, cujo tamanho e morfologia sugeriram a presença de eritrócitos. Os diâmetros dos balões usados apresentaram valores bem próximos aos valores originais, apesar de estarem visivelmente deformados. A pressão de estouro obtida foi maior que a recomendada pelos fabricantes. Alguns cateteres apresentaram uma redução de 30% da resistência à fratura após a esterilização. Bryce et al. [9] usaram ácido peracético para esterilizar cateteres de angioplastia e nenhuma das 349 culturas foi positiva. Após cinco ciclos em ácido peracético, um balão estourou imediatamente após exposição a uma pressão de 8 bar e os demais estouraram entre 1 e 4 minutos de exposição sob pressões entre 12 e 20 bar. Karov et al. [10], mediante a avaliação por microscopia eletrônica, verificaram que os cateteres utilizados 4, 10 e 15 vezes apresentavam muitas partículas e fibras grandes. Na superfície dos cateteres, foram detectadas saliências longitudinais, fendas, ranhuras e furos. Alguns balões ficaram enrugados e outros pareciam ter uma camada de revestimento adicional. Foi utilizado um espectrômetro que detectou a presença de resíduo de silicone nos balões. Esses autores não comentam os resultados dos testes de esterilidade.

Os artigos que se referem exclusivamente à avaliação da eficácia da limpeza e à esterilização de cateteres são apresentados na Tabela 3. Ravin e Koehler [11] demonstraram a ausência de crescimento microbiano nas culturas obtidas de cateteres angiográficos submetidos à esterilização em óxido de etileno. Penna e Ferraz [12] detectaram uma redução de 50% da carga microbiana de B. subtilis inicialmente inoculada nos cateteres após extensiva limpeza. Porém, não foi realizado teste de esterilidade. O estudo de Luijt et al. [2] avaliou a eficácia da exposição ao glutaraldeído a 2,2% após contaminação intencional com vírus. Foi possível a remoção de partículas de adenovírus, porém houve persistência de partículas de enterovírus.



As endotoxinas são substâncias biologicamente ativas que podem provocar manifestações clínicas simples, como febre, tremor e leucocitose e até mesmo choque irreversível. O diagnóstico de choque pirogênico é baseado em julgamento clínico e informações epidemiológicas, tal como a exposição à fonte conhecida de pirógeno bacteriano [13].

Lee et al. [13] publicaram oito casos de reações pirogênicas ocorridas duas e três horas e meia após o início da cateterização cardíaca. Estes autores revisaram o reprocessamento de cateteres e substituíram o uso de água de torneira pelo uso de água livre de pirógeno para resolver esse problema. Os mesmos achados foram publicados por Reyes et al. [14], em Detroit, nos Estados Unidos, onde foram identificados 25 casos de tremor e febre após cateterismo cardíaco. Nesse momento, também foi revisado o processo de limpeza e encontrado 3500 UFC de A. calcoaceticus e 1000 UFC de Pseudomonas spp nas amostras de água destilada preparadas dentro do hospital e utilizada na limpeza dos cateteres. Além disso, foram detectadas, na água destilada fresca, menos de 2x10-1ng/ml de endotoxina e, após 72 horas nessa mesma água, foram detectadas 2x105ng/ml de endotoxina.

Um estudo experimental foi realizado por Kundsin e Walter [15] para detectar a presença de endotoxina em cateteres cardíacos novos e reusados, usando uma proteína teste Limulus Amoebocyte Lysate. Foram recuperados em 13 cateteres reprocessados que continham 50 pg ou mais de endotoxina por cateter.

Os procedimentos hemodinâmicos são, freqüentemente, associados à ocorrência de reações pirogênicas. Cookson et al. [16], em uma investigação de surto, detectaram Enterobacter cloacae, Stenotrophomonas maltophilia e pequeno crescimento de E. coli na solução de limpeza misturada com água de torneira, examinada no final do dia de trabalho. Endotoxinas foram encontradas num recipiente usado para preparo de solução de nitroglicerina. Duffy et al. [17] investigaram um surto em Belo Horizonte, em que 25 pacientes apresentaram reações pirogênicas após a cateterização cardíaca. Novamente, foi realizada uma revisão do processo de limpeza, na qual foram encontradas 1.100 UFC em média, variando entre 1 e 33.000 UFC como carga microbiana. Também foram detectados os seguintes níveis de endotoxina, em média: 1460 EU/ml, com uma variação entre 32,7 e 2.080 EU/ml na água deionizada usada na limpeza dos cateteres de hemodinâmica. A fim de controlar esse surto, a água foi exposta a um filtro de água de 1-µm, a um ultrafiltro (em série) de 20,000-d. Além disso, uma solução de hipoclorito de sódio a 5% foi usada para lavar o sistema distal de distribuição de água semanalmente. Dependendo da quantidade de matéria orgânica identificada no ultrafiltro, era administrada uma solução de ácido cítrico na concentração entre 1% e 4%. Em todas essas publicações, o sistema de suprimento de água foi a principal fonte de microrganismo e pirógenos, demonstrando que o uso de água apirogênica é muito importante na redução dos riscos para os pacientes submetidos a cateterização cardíaca com cateteres reusados.

Um estudo prospectivo envolvendo, consecutivamente, 122 crianças submetidas a cateterização cardíaca foi conduzido por Gilladoga et al. [18] para avaliar a incidência de febre. Nesse estudo, a temperatura oral e a axilar foram medidas em diferentes momentos, antes da sedação e continuamente durante o procedimento por meio de um termistor (resistor que diminui a resistência com o aumento da temperatura). Os pacientes com a temperatura oral e a axilar acima 37,8oC ou temperatura retal acima de 38oC foram considerados febris. A incidência de febre durante o procedimento foi de 11,5% (14/122) e, após o procedimento, foi de 8,2% (10/122). Esse resultado foi diretamente proporcional à duração do procedimento e ao número de cateterismos cardíacos realizados na unidade.

Outros estudos prospectivos foram conduzidos por Frank et al. [19], no período de novembro de 1986 a junho de 1987, envolvendo, consecutivamente, 414 pacientes adultos submetidos a cateterismo cardíaco, utilizando tanto cateteres de primeiro quanto de múltiplos usos. Após o procedimento, a temperatura axilar foi medida duas vezes ao dia e o local de inserção do cateter foi examinado diariamente. A febre foi definida pela ocorrência de temperatura axilar maior que 37,4oC. Os cateteres cardíacos foram processados da seguinte forma: imediatamente após o procedimento, os cateteres eram irrigados com água de torneira, durante 10 minutos; posteriormente, foram submetidos à desinfecção com Gigasept a 3% (um aldeído) e foram expostos a uma solução detergente, durante 1 hora. A seguir, passaram por um enxágüe em água de torneira, durante 10 minutos e secagem sob ar comprimido. Ao final, foram esterilizados em óxido de etileno (15% óxido de etileno, 85% de dióxido de carbono), durante 45 minutos. Antes do reuso, os cateteres foram submetidos a 14 dias de aeração sob temperatura ambiente. A incidência de febre nos pacientes expostos a cateteres novos foi de 4,4% (7/158); 4,7% (7/151) para pacientes expostos a cateteres reutilizados uma ou duas vezes; e de 6,0% (6/100) para cateteres reutilizados por múltiplas vezes. Essa diferença não foi estatisticamente significativa.

Alguns estudos descritivos relacionados à ocorrência de doenças infecciosas após a cateterização cardíaca foram publicados. Apesar de se tratar de estudos cujo poder de evidência é limitado, esses estudos apontam alguns problemas relacionados a esses procedimentos. Sande et al. [20] avaliaram 106 pacientes para detectar bacteremia após esse procedimento. Eles encontraram 8,0% (3/38) de hemoculturas positivas, que os autores interpretaram como contaminantes de pele. Nesse estudo não foi detectado nenhum caso de bacteremia. Shawker et al. [21] estudaram 100 procedimentos de cateterização cardíaca e detectaram 23 pacientes com hemocultura positiva. Desses, 11 casos foram considerados como contaminantes de pele ou do ar e, em 12 pacientes, foram detectados bacilos Gram negativos. A bacteremia transitória foi detectada em quatro casos. Os autores atribuíram esse achado à falha no processo de limpeza.

Segundo Krause et al. [22], os cateteres de hemodinâmica acessam uma área crítica do sistema cardiovascular, na qual uma infecção e/ou lesão pode levar rapidamente a um resultado fatal. O risco de transmissão de príons pelo sangue não pode ser estimado e esse é um problema em potencial tanto para artigos de uso único ou não. Da mesma forma, a incidência de complicações infecciosas é baixa, mas isso depende do tamanho da população e se a pesquisa foi conduzida retrospectiva ou prospectivamente.

Fagih e Eisenberg [23] publicaram uma revisão sobre o reuso de cateteres de angioplastia e o risco da doença de Creutzfeldt-Jakob utilizando a base de dados do Medline e as seguintes palavras-chave: PTCA, CJK, material e equipment reuse. Nessa revisão, os autores assumem que essa doença pode ser transmitida para os seres humanos por meio de sangue contaminado, mas eles não encontraram casos documentados relacionados a cateterismo cardíaco. Logo, eles defendem o reuso de cateteres como estratégia para a redução de custos.

Penna e Ferraz [12] avaliaram a carga microbiana em cateteres de angiografia e detectaram a presença de organismos cuja análise quantitativa variou entre 3,5 a 5,5x101 UFC. A detecção desses resíduos pode ser explicada pela dificuldade de acesso de dispositivos de limpeza no lúmen desse tipo de cateter, que é longo e estreito [12, 20].

De posse da literatura científica, faz-se um breve comentário a respeito das evidências e limitações dos dados apresentados.

DISCUSSÃO

As alterações de integridade física foram claramente evidenciadas por meio de estudos experimentais que utilizaram diferentes recursos de microscopia eletrônica sob diferentes magnificações. Foram evidenciadas alterações nas superfícies, tais como, arranhões, fendas, depressões ou protusões em diferentes estruturas, sugestivas de resíduos orgânicos, tais como trombos com plaquetas, depósitos de fibrina e hemácias, uma vez que a microscopia eletrônica é uma técnica limitada no que concerne à detecção de resíduos orgânicos.

As alterações de integridade mecânica também foram medidas de forma objetiva por diferentes técnicas quantitativas, tais como, avaliação da pressão de estouro, medida da complacência e o diâmetro dos cateteres. Vale destacar que essas avaliações foram feitas nos cateteres de angioplastia, que demonstraram tanto aumento quanto diminuição da pressão de estouro e do diâmetro original, assim como alterações de complacência e a presença de furos. Portanto, existe uma clara evidência da ocorrência de alterações físicas e mecânicas após o reprocessamento de cateteres cardíacos. Vale destacar que o estudo de Brown et al. [7] avaliou detalhadamente as alterações de integridade mecânica. Porém, os cateteres foram mantidos com o contraste por duas semanas, o que é considerado um desafio extremo e que não reflete a realidade do uso clínico dos cateteres. Além disso, esses autores advertem que os balões não foram submetidos às condições reais que ocorrem durante o uso clínico, tais como tortuosidade do vaso e presença de calcificações.

No que diz respeito às técnicas de limpeza apresentadas, também predominaram os estudos envolvendo cateteres de angioplastia, provavelmente, pela dificuldade facilmente perceptível de se reprocessar esse material, por serem extremamente estreitos. Foram apresentadas diversas técnicas de limpeza, nas quais utilizou-se diferentes agentes limpantes, tais como detergentes aniônicos e enzimáticos até soluções de peróxido de hidrogênio e heparina, hipoclorito de sódio, bem como, limpeza ultra-sônica. Além disso, o enxágüe foi realizado tanto com água de torneira quanto com água submetida a diferentes tratamentos. Porém, somente o estudo de Penna e Ferraz [12] mostrou redução quantitativa da carga microbiana intencionalmente inoculada. Os demais estudos não utilizaram recursos metodológicos que permitissem uma avaliação objetiva dessa técnica.

Da mesma forma, foram utilizados diferentes métodos de esterilização com um predomínio do uso do óxido de etileno. Esse é um gás tóxico para os pacientes se houver qualquer interação entre a água ou alguma solução salina no lúmen interno - presente no local por falha no processo de secagem - e o óxido de etileno, pois essa interação produz etileno glicol e etileno cloridrina, substâncias tóxicas para os seres humanos [20]. Porém, o óxido de etileno possui alta difusibilidade, portanto, maior capacidade de penetração em lumens longos e estreitos. Logo, é eficaz na esterilização de artigos termossensíveis, inclusive cateteres de hemodinâmica. Grimandi et al. [8] utilizaram o processo de esterilização sob radiação gama. Foi uma técnica eficaz, mas de aplicação restrita na prática em razão do alto custo e acesso. Somente esses autores se atentaram para a avaliação da presença de pirógenos, que é freqüentemente responsável por reações inflamatórias transitórias e persistentes nos pacientes submetidos a esses procedimentos.

Os cateteres submetidos a ácido peracético e glutaraldeído foram submetidos a testes de esterilidade limitados, seja em razão do meio de cultura utilizado, seja pelo uso de testes não-destrutivos, os quais podem não permitir a recuperação dos microrganismos ao longo do cateter. Vale também destacar a limitação do glutaraldeído, no que se refere à eficácia como agente esterilizante no tempo de exposição e concentrações utilizadas nos estudos. Além disso, é importante destacar a dificuldade de remoção de resíduo dessa solução em artigos de lumens estreitos, o qual inclusive é tóxico, principalmente, em contato direto com a corrente sanguínea.

Apesar da existência de diversos estudos primários publicados na literatura, ainda não foram dirimidas as dúvidas em relação à segurança do reuso no quesito limpeza e esterilidade dos cateteres de hemodinâmica. Além disso, os dados existentes ainda não foram suficientes para transformar a prática do reuso desses cateteres. Portanto, considera-se também importante avaliar detalhadamente o reuso de cateteres de hemodinâmica em relação às suas repercussões clínicas para se determinar a real segurança dessa prática.

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Article receive on segunda-feira, 1 de maio de 2006

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