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ARTIGO ORIGINAL

Experiência clínica inicial na desmineralização química da valva aórtica: potencial aplicação como procedimento minimamente invasivo

Ricardo Carvalho LimaI; Gerhard WIMMER-GREINECKERII; Mário Gesteira CostaIII; Mozart Augusto Soares de EscobarIV; Roberto DINIZV; Antônio CÉSIOV; Frederico VasconcelosVI; Alexandre Motta de MenezesVI; Robert POSERVII; Jerry RIEBMANVIII

DOI: 10.1590/S0102-76382006000200013

INTRODUÇÃO

Nos Estados Unidos da América, aproximadamente 1,2 milhões de pessoas com 55 anos de idade ou mais têm algum grau de estenose aórtica (EAo). Aproximadamente 23% dessas pessoas recebem o diagnóstico de degeneração e disfunção da valva aórtica em diferentes graus. A EAo sintomática está associada à angina, tontura e dispnéia. As atuais formas de tratamento consistem em substituição valvar por prótese, plastia valvar, valvuloplastia com cateter-balão e, mais recentemente, substituição por via transcutânea [1-3].

As tentativas de correção da EAo, com preservação da valva, utilizando-se ultra-som e outros métodos de ablação cirúrgica, apresentaram problemas nos resultados clínicos em longo prazo, como também traumas mecânicos nos tecidos circunvizinhos, que resultaram em fibrose, re-estenose e perfurações das cúspides [4,5].

O presente tratamento visa a desmineralização química da valva aórtica, permitindo a correção in situ da valva nativa, como alternativa à prática clínica atual de sua substituição por próteses.

MÉTODO

Foram operados cinco pacientes portadores de EAo leve a moderada, associada à insuficiência coronariana. A idade variou de 65 a 81 anos, com média de 73 anos. Todos os pacientes eram do sexo masculino. Quatro pacientes apresentavam doença arterial coronária em quatro vasos e um paciente, em uma única artéria. O gradiente médio através da valva aórtica variou de 13 a 49 mmHg, com média de 25 mmHg. A área média do orifício valvar aórtico foi de 1,1cm², variando de 0,8 a 1,3cm². Os seguintes antecedentes estiveram presentes: hipertensão em quatro pacientes, hipercolesterolemia em quatro, diabete melito em dois e tabagismo em dois. O período de circulação extracorpórea variou de 134 a 171 minutos, com média de 152 minutos. O tempo de pinçamento aórtico variou de 94 a 126 minutos, com média de 107 minutos. O tempo de tratamento médio foi de 28 minutos, variando de 13 a 33 minutos.

Técnica cirúrgica

Esternotomia mediana longitudinal, dissecação da artéria torácica interna esquerda e veia safena magna. Instalação da circulação extracorpórea com cânula arterial na raiz da aorta e canulização simples do átrio direito. Hipotermia a 28°C, pinçamento da aorta e infusão de solução cardioplégica sangüínea isotérmica. Aortotomia realizada de maneira usual para substituição da valva aórtica e exposição da mesma. Colocação dos protetores de óstios coronários próprios do sistema de lavagem e introdução do sistema de lavagem Corazon Technologies, Inc - CA, USA (Figura 1).

Montado o sistema, iniciou-se a lavagem intermitente da valva aórtica com solução salina de pH =1. Terminado o tempo estimado no protocolo, de 30 minutos, o sistema foi retirado e iniciada a revascularização coronária, programada para cada paciente especificamente. A aorta foi suturada de maneira usual, retirada do ar das câmaras esquerdas e da pinça da aorta ascendente e o coração reanimado. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Oswaldo Cruz.


Fig. 1 - Cateter utilizado na descalcificação da valva aórtica com o coração parado.



RESULTADOS

Não foi observado óbito algum. Complicações pós-operatórias observadas: bloqueio atrioventricular total nos três primeiros pacientes. Não foram observados eventos que comprometessem a integridade da valva aórtica ou provocassem insuficiência aórtica pós-tratamento. Também não se observaram eventos neurológicos, sistêmicos, metabólicos ou hematológicos. O gradiente transvalvar pós-operatório, determinado pelo ecocardiograma, demonstrou melhora no gradiente médio e sistólico (Tabela 1).

DISCUSSÃO

Atualmente, o tratamento da EAo a céu aberto não recomenda a abordagem de valvas que se apresentem nos estágios iniciais da doença. Entretanto, a substituição da valva aórtica por prótese tem sido indicada em pacientes com EAo moderada, principalmente nos casos de cirurgia concomitante com a revascularização miocárdica [6-8]. Pacientes submetidos à revascularização miocárdica isolada e que, após alguns anos, foram operados para troca da valva aórtica devido à EAo, com freqüência, apresentavam alguma evidência de calcificação e disfunção da valva, por ocasião da revascularização do miocárdio [9]. Observou-se uma diminuição de até sete vezes na mortalidade, comparando-se pacientes com EAo calcificada em estágios iniciais da doença, tratados pró-ativamente por ocasião da revascularização miocárdica e pacientes submetidos primeiro à revascularização miocárdica e depois à substituição da valva aórtica com deterioração da mesma [7,].

Há relatos de que a progressão do gradiente médio da EAo é de 6,0 a 10,0 mmHg/ano e que ocorre mais rapidamente à medida que a doença avança [6,10]. Num estudo de 25 pacientes portadores de EAo calcificada, estes apresentaram uma progressão ainda mais rápida da doença, quando da ocasião do cateterismo cardíaco. Aqueles com calcificação apresentaram um índice médio de aumento do gradiente de 9,7mmHg/ano, contra um índice médio de 4,4mmHg/ano nos indivíduos sem calcificação, com p<0,02 [6]. A baixa mortalidade está associada à intervenção precoce e impede a evolução da doença para um estado grave. O paciente portador de EAo calcificada tem prognóstico menos favorável e somente 20% deles têm sobrevida superior a quatro anos após a realização do diagnóstico [10]. Parece lógico que a sobrevida poderia ser ampliada em alguns pacientes se um tratamento eficaz estivesse disponível para intervenção precoce.

O presente tratamento da EAo leve a moderada, em pacientes submetidos à revascularização miocárdica concomitante, permite uma intervenção precoce. O sistema foi projetado considerando-se o tecido fibrótico e calcificado, que prejudica o funcionamento normal da valva. Em curto prazo, o resultado esperado foi confirmado, observando-se uma diminuição do gradiente valvar e aumento da área da secção transversa da valva, determinados pela ecocardiografia. Acredita-se que a consolidação deste tratamento precoce possibilite, em longo prazo, retardar de maneira substancial a progressão da doença, removendo minerais da valva, os quais são responsáveis pela necessidade de substituição da valva aórtica.

No presente estudo piloto, não foi observada nenhuma alteração na integridade da junção ventrículo-arterial, evidências de aparecimento de insuficiência aórtica ou progressão de insuficiência aórtica preexistente, aparecimento de lesão cerebral e efeitos adversos ao sistema hematológico, metabólico ou hemodinâmico. Os três primeiros pacientes apresentaram bloqueio atrioventricular total, o que foi atribuído ao modelo do balão utilizado na face interna do ventrículo esquerdo. Após a utilização de novo modelo de balão, não se observou bloqueio atrioventricular total. Isto parece demonstrar que não só o desenho do balão é importante, como também a pressão e o tempo de utilização do balão na via de saída do ventrículo esquerdo, durante o tratamento de desmineralização da valva aórtica.

Os próximos passos deste estudo serão: continuação da avaliação da tecnologia de desmineralização, procurando entender melhor o impacto agudo e crônico nos parâmetros hemodinâmicos da valva aórtica; refinar os critérios de inclusão e exclusão dos pacientes que potencialmente poderão se beneficiar na aplicação desta tecnologia; e expandir a pesquisa clínica, com finalidade de avaliar a utilização endovascular desta tecnologia com o coração batendo em cirurgia cardiovascular.

CONCLUSÕES

A utilização desta tecnologia em estudo piloto clínico demonstrou uma efetiva melhora nos parâmetros analisados pelo ecocardiograma, referentes a gradiente transvalvar e área valvar. O tratamento não provocou nenhuma lesão valvular ou alterações sistêmicas. As alterações observadas no sistema de condução não estiveram relacionadas com tratamento em si, mas pelo sistema de liberação da lavagem. A possibilidade de utilização do presente tratamento por via endovascular poderá permitir o tratamento "in situ" da valva aórtica, de maneira minimamente invasiva.

AGRADECIMENTOS

Nossos agradecimentos especiais a Shelby Young e Denise Gottifried, pela elaboração do protocolo clínico e suporte na sua execução.

REFERÊNCIAS

1. Bahler RC, Desser DR, Finkelhor RS, Brener SJ, Youssefi M. Factors leading to progression of valvular aortic stenosis. Am J Cardiol. 1999;84(9):1044-8.

2. King RM, Pluth JR, Giuliani ER, Piehler JM. Mechanical decalcification of the aortic valve. Ann Thorac Surg. 1986;42(3):269-72.

3. Otto CM, Kuusisto J, Reichenbach DD, Gown AM, O'Brien KD. Characterization of the early lesion of 'degenerative' valvular aortic stenosis: histological and immunohistochemical studies. Circulation. 1994;90(2):844-53.

4. Cosgrove DM, Ratliff NB, Schaff HV, Edwards WD. Aortic valve decalcification: history repeated with a new result. Ann Thorac Surg. 1990;49(5):689-90.

5. Humphries B, Triplett-McBride T, Newton RU, Marshall S, Bronks R, McBride J et al. The relation between dynamic, isokinetic and isometric strength and bone mineral density in a population of 45 to 65 year old women. J Sci Med Sport. 1999;2(4):364-74.

6. Davis SW, Gershlick AH, Balcon R. Progression of valvar aortic stenosis: a long-term retrospective study. Eur Heart J. 1991;12(1):10-4.

7. Hilton TC. Aortic valve replacement for patients with mild to moderate aortic stenosis undergoing coronary artery bypass surgery. Clin Cardiol. 2000;23(3):141-7.

8. Carabello BA. Progress in mitral and aortic regurgitation. Prog Cardiovasc Dis. 2001;43(6):457-75.

9. Eitz T, Kleikamp G, Minami K, Gleichmann U, Korfer R. Aortic valve surgery following previous coronary artery bypass grafting: impact of calcification and leaflet movement. Int J Cardiol. 1998;64(2):125-30.

10. Horstkotte D, Piper C, Wiemer M, Schultheiss HP. Diagnostic approach and optimal treatment of aortic valve stenosis. Herz. 1998;23(7):434-40.

Article receive on domingo, 1 de janeiro de 2006

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