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RELATO DE CASO

Ruptura subaguda da parede livre do ventrículo esquerdo pós-infarto agudo do miocárdio: relato de caso e revisão de literatura

Alexandre Siciliano ColafranceschiI; Denise Castro de Souza CÔRTESII; Andrey José de Oliveira MonteiroIII; Leonardo Secchin CanaleIV

DOI: 10.1590/S0102-76382006000100016

INTRODUÇÃO

As complicações mecânicas associadas ao infarto agudo do miocárdio (IAM), como a ruptura da parede livre do ventrículo esquerdo (RPLVE), são graves e potencialmente letais [1,2].

A RPLVE pode ser dividida em três categorias clínico-patológicas distintas: aguda, subaguda e crônica [3]. A ruptura aguda é caracterizada pela recorrência súbita de dor torácica, dissociação eletromecânica, choque e morte em minutos devido à hemorragia maciça no saco pericárdico. A ruptura crônica, com formação de pseudo-aneurisma, ocorre devido a mecanismos de expansão da área infartada, com vazamento de sangue lentamente para o espaço pericárdico [3].

Já a ruptura subaguda, objeto de discussão deste artigo, é caracterizada por lesão de menor proporção, que pode ser inicialmente tamponada e que posteriormente sofre lise. Normalmente apresenta-se com manifestações de tamponamento cardíaco e choque cardiogênico, mimetizando outras complicações do infarto agudo do miocárdio [3].

A abordagem diagnóstica e a melhor estratégia cirúrgica dessa complicação ainda são pontos controversos. O presente trabalho procura discutir abordagens distintas de dois pacientes com RPLVE subaguda após IAM.

RELATO DOS CASOS

Caso 1


Paciente do sexo masculino, 68 anos, apresentou dor torácica típica de caráter recorrente na semana anterior, tendo sido admitido no hospital de origem com 3 horas de evolução de angina de peito, para tratamento médico. O eletrocardiograma (ECG) basal apresentava supra ST em parede anterior, sendo administrado trombolítico (rTPA) com Dt de 4 horas, sem critérios de reperfusão.

Foi transferido para este nosocômio com quadro de dor mantida e sinais de má perfusão periférica. O ecocardiograma admissional revelava derrame pericárdico. Encaminhado ao laboratório de hemodinâmica, foi submetido à coronariografia com suporte de balão intra-aórtico (BIA), sendo observada obstrução coronariana multiarterial, com lesão de 90% proximal de artéria descendente anterior (DA) e fluxo TIMI II.

Evoluiu com taquicardia ventricular (TV) sem pulso, sendo submetido à cardioversão elétrica, intubação orotraqueal, pericardiocentese e, imediatamente, encaminhado ao centro cirúrgico.

Durante o ato cirúrgico, foi identificada ruptura de parede livre do ventrículo esquerdo. Foi instalada circulação extracorpórea (CEC) para a realização de sutura epicárdica de retalho de pericárdio bovino, além de revascularização completa do miocárdio.

O paciente evoluiu com acidente vascular encefálico de origem embólica cardíaca (trombo no VE) e foi anticoagulado. Necessitou de re-exploração cirúrgica por derrame pericárdico, no décimo dia de pós-operatório.

Recebeu alta hospitalar, no 32° dia de pós-operatório, lúcido e sem seqüelas motoras-neurológicas. Apresenta-se em classe funcional II da NYHA, 12 meses após o procedimento cirúrgico inicial.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 86 anos, usuária crônica de antiagregante plaquetário (clopidogrel) devido a acidente vascular encefálico prévio, foi admitida na emergência deste nosocômio com quadro de vômitos alimentares, rapidamente evoluindo com choque circulatório e insuficiência respiratória. No eletrocardiograma (ECG) basal, notava-se presença de infarto agudo do miocárdio em fase subaguda de localização ântero-lateral. Havia elevação de enzimas cardíacas no soro e o ecocardiograma sugeria ruptura miocárdica com tamponamento cardíaco.

A paciente foi encaminhada de emergência para cirurgia cardíaca. Após a instalação do BIA, a esternotomia exploradora evidenciou grande quantidade de sangue no pericárdio. Havia RPLVE subaguda em sua porção apical. Foi realizada a correção cirúrgica da ruptura, com retalho de pericárdio bovino suturado ao epicárdio saudável, sem CEC.

Foi extubada com sucesso no 5° dia de pós-operatório, quando então já não precisava de aminas vasoativas.

Por questões administrativas, foi transferida para outra instituição e complicou com quadro séptico, vindo a falecer em decorrência de falência orgânica múltipla, ainda durante a mesma internação hospitalar.

REVISÃO DE LITERATURA

A RPLVE após infarto agudo do miocárdio está associada ao insucesso da estratégia de reperfusão; estudos sugerem que a reperfusão precoce é capaz de reduzir a incidência desta complicação [4-6]. Um a 4% dos pacientes admitidos após-infarto morre desta complicação [3,7].

Outros fatores são descritos como preditores de ruptura: presença de elevação do segmento ST e onda Q no eletrocardiograma admissional, localização na parede anterior, pico de CKMB acima de 150UI/L, sexo feminino, idade acima de 70 anos e ausência de síndrome anginosa pregressa, fato este relacionado à ausência de circulação colateral [3,5,6].

O ecocardiograma transtorácico é fundamental na avaliação de pacientes com insuficiência cardíaca aguda após IAM e suspeita de complicação mecânica [7] .

Os pacientes devem ser otimizados clinicamente e preparados para o tratamento cirúrgico [2], cujo principal objetivo é a manutenção da vida [7]. Entretanto, sabendo-se que 80% dos pacientes que são necropsiados apresentam doença multiarterial, com pelo menos uma artéria coronária principal com doença obstrutiva grave, a estratégia de revascularização miocárdica concomitante tem sido aceita, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida a longo prazo.

DISCUSSÃO

Freqüentemente, há um intervalo de tempo para o esclarecimento diagnóstico e para a estabilização clínica do paciente. Embora controverso, se o paciente se apresenta suficientemente estável e a revascularização do miocárdio é contemplada, a coronariografia pré-operatória deve ser considerada.

A experiência cirúrgica com essa entidade é, entretanto, baseada em relatos esporádicos, e diferentes estratégias cirúrgicas têm sido utilizadas. Técnicas clássicas, como a infartectomia e a reconstrução ventricular com o auxílio da CEC, têm sido substituídas pela correção da RPLVE com retalho epicárdico de pericárdio e utilização de cola biológica sem CEC, com melhores resultados [7-9].

Entretanto, se a CEC é necessária primariamente para a correção da RPLVE (instabilidade hemodinâmica, dificuldade de exposição da área da ruptura), a concomitante revascularização do miocárdio (guiada pelo cateterismo ou "cega") acrescenta mínima morbimortalidade ao procedimento, sobretudo se não houver abordagem da cavidade ventricular esquerda (infartectomia, reconstrução ventricular), podendo melhorar a evolução a longo prazo de pacientes selecionados.

CONCLUSÃO

A combinação de reparo epicárdico com retalho de pericárdio bovino e a revascularização do miocárdio completa, sobretudo sem CEC, parece ser a opção mais indicada para um grupo de pacientes que se apresentam com ruptura subaguda da parede livre do ventrículo esquerdo pós-infarto agudo do miocárdio.

REFERÊNCIAS

1. Becker RC, Gore JM, Lambrew C, Weaver WD, Rubison RM, French WJ et al. A composite view of cardiac rupture in the United States National Registry of Myocardial Infarction. J Am Coll Cardiol. 1996;27(6):1321-6.

2. Antman EM, Anbe DT, Armstrong PW, Bates ER, Green LA, Hand M et al. ACC/AHA guidelines for the management of patients with ST-elevation. myocardial infarction - executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Revise the 1999 Guidelines for the Management of Patients With Acute Myocardial Infarction). Circulation. 2004;110(5):588-636.

3. Amano H, Ohara K, Nie M, Miyoski Y, Yoshimura H. New surgical technique of left ventricular free wall rupture: double patch sealing method. Ann Thorac Cardiovasc Surg. 2002;8(6):389-92.

4. Becker RC, Charlesworth A, Wilcox RG, Hampton J, Skene A, Gore JM et al. Cardiac rupture associated with thrombolytic therapy: impact of time to treatment in the Late Assessment of Thrombolytic Efficacy (LATE) study. J Am Coll Cardiol. 1995;25(5):1063-8.

5. Moreno R, López-Sendon J, García E, Perez de Isla L, Lopez de Sá E, Ortega A et al. Primary angioplasty reduces the risk of left ventricular free wall rupture compared with thrombolysis in patients with acute myocardial infarction. J Am Coll Cardiol. 2002;39(4):598-603.

6. Becker RC, Hochman JS, Cannon CP, Spencer FA, Ball SP, Rizzo MJ et al. Fatal cardiac rupture among patients treated with thrombolytic agents and adjunctive thrombin antagonists: observations from the Thrombolysis and Thrombin Inhibition in Myocardial Infarction 9 Study. J Am Coll Cardiol. 1999;33(2):479-87.

7. Sutherland FW, Guell FJ, Pathi VL, Naik SK. Postinfarction ventricular free wall rupture: strategies for diagnosis and treatment. Ann Thorac Surg. 1996;61(4):1281-5.

8. Iemura J, Oku H, Otaki M, Kitayama H, Inoue T, Kaneda T. Surgical strategy for left ventricular free wall rupture after acute myocardial infarction. Ann Thorac Surg. 2001;71(1):201-4.

9. Prêtre R, Benedikt P, Turina MI. Experience with postinfarction left ventricular free wall rupture. Ann Thorac Surg. 2000;69(5):1342-5.

Article receive on quinta-feira, 1 de setembro de 2005

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