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ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do EuroSCORE como preditor de mortalidade em cirurgia de revascularização miocárdica no Instituto do Coração de Pernambuco

Fernando Moraes Neto; Carlos DUARTE; Edmílson CARDOSO; Euclides Tenório; Virgílio PEREIRA; Diana LAMPREIA; João Fernando WANDERLEY; Carlos R Moraes

DOI: 10.1590/S0102-76382006000100007

INTRODUÇÃO

Diversos modelos de estratificação de risco têm sido idealizados com a finalidade de se prever a mortalidade na cirurgia cardíaca [1-7]. O Sistema Europeu para Avaliação de Risco em Cirurgia Cardíaca (EuroSCORE) começou a ser delineado em 1995, quando informações sobre fatores de risco e mortalidade foram coletados de 19.030 pacientes adultos, submetidos consecutivamente à cirurgia cardíaca em 128 centros de oito países europeus [8]. Foram analisados 68 fatores de risco pré-operatórios e 29 operatórios, os quais poderiam ter influência na mortalidade hospitalar. A relação entre os diversos fatores de risco e os resultados foi estudada estatisticamente por análise univariada e de regressão logística. Isso permitiu identificar 17 fatores de risco reais e, para cada um deles, foi atribuído um escore, construindo-se, assim, um modelo que permite dividir os pacientes em três grupos de risco: de baixo risco (escore de 0-2), de médio risco (escore de 3-5) e de alto risco (escore> 6) [9]. Esse modelo de estratificação de risco tem-se mostrado altamente eficiente, mesmo quando aplicado a populações não européias [10,11].

O objetivo desse estudo foi avaliar a aplicabilidade do EuroSCORE em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica no Instituto do Coração de Pernambuco.

MÉTODO

Foram revisados os prontuários de 759 pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica no Instituto do Coração de Pernambuco, nos anos de 2003 e 2004.

Cada paciente foi avaliado quanto à presença ou não dos 17 fatores de risco estabelecidos pelo EuroSCORE, respeitando-se a definição de cada um deles e atribuindo-lhes o escore apropriado (Tabela 1). Dependendo do escore final, cada doente foi colocado em um dos três grupos de risco (Tabela 2), anotando-se a ocorrência de óbito. Dos 759 pacientes, sete foram excluídos por ausência de informações sobre algum dos fatores envolvidos no cálculo do EuroSCORE. Para avaliar a calibração e a acurácia do EuroSCORE, foi ajustado um modelo de regressão logística da mortalidade operatória (variável resposta) sobre o EuroSCORE obtido (variável explanatória). A calibração foi mensurada comparando-se a mortalidade observada com a esperada, utilizando-se o teste de bondade de ajuste de Hosmer-Lemeshow [11-13]. A acurácia, isto é, a capacidade do modelo discriminar os pacientes que foram a óbito e os pacientes que sobreviveram foi avaliada através da estatística-c do modelo logístico. A estatística-c do modelo logístico é uma medida da acurácia de classificações binárias. É obtida a partir da formação de todos os pares de pacientes, onde, em cada par, um só dos componentes tem o desfecho de interesse. Nesse estudo, o desfecho de interesse foi óbito. Para um dado par, as previsões obtidas pelo modelo logístico são ditas concordantes com o desfecho, quando o paciente que foi a óbito teve uma probabilidade prevista de morte maior do que a do paciente sobrevivente. A estatística-c é a proporção de previsões concordantes. Seus valores variam de 0,5 a 1,0 [11,12]. Quanto maior é o valor da estatística-c, maior é a acurácia ou o poder discriminante do modelo. A estatística-c é algumas vezes chamada de área sob a curva ROC (Receiver Operating Characteristic), mas os dois valores não são sempre concordantes. Alguns consideram a estatística-c uma generalização da curva ROC [11].

RESULTADOS

Dos 752 pacientes estudados, 503 (66,9%) eram do sexo masculino e 249 (33,1%) do feminino. A idade variou de 27 a 88 anos, com média de 62,6 (± 10,3 anos). Aproximadamente 53% dos pacientes tinham idade igual ou superior a 63 anos (idade mediana). Havia 32% de pacientes diabéticos, 15,6% de fumantes, 74,2% de hipertensos. Em 740 pacientes, para os quais foi possível determinar o Índice de Massa Corpórea (IMC), 63,0% estavam com sobrepeso ou obesidade (IMC > 25,0). A Tabela 3 apresenta as prevalências dos fatores de risco envolvidos no cômputo do EuroSCORE. Para efeito de comparação apresenta-se, também, nessa Tabela, as prevalências desses fatores de risco encontradas nos pacientes do banco de dados do EuroSCORE [9] e do banco de dados do estudo STS [11].

A Tabela 4 apresenta a mortalidade prevista e observada, de acordo com os grupos definidos pelo teste de Hosmer-Lemeshow. A mortalidade prevista pelo EuroSCORE pode ser considerada bastante próxima da mortalidade observada, visto que o valor-p do teste de Hosmer-Lemeshow foi igual a 0,663, indicando um bom ajuste ou uma boa calibração do modelo.

A acurácia ou a habilidade preditiva do EuroSCORE, estimada pela estatística-c do modelo logístico, foi igual a 69,9% (Intervalo de 95% de confiança: 69,0% a 70,8%).

A mortalidade hospitalar nessa série de 752 pacientes submetidos à revascularização miocárdica foi de 1,7% (13 casos). Ocorreram 2 (0,87%) óbitos entre os 231 doentes classificados de baixo risco, l (0,37%) óbito no grupo de 268 pacientes de médio risco, e 10 (3,95%) óbitos entre os 253 doentes considerados de alto risco. Esses resultados são apresentados na Tabela 5 junto com as porcentagens de óbito previstas pelo modelo ajustado para cada um dos grupos de risco do EuroSCORE. As discrepâncias entre as porcentagens de óbitos observados e previstos não foram estatisticamente significantes, de acordo com o resultado do teste qui-quadrado (p = 0,624).









DISCUSSÃO

A estratificação de risco permite estimar o risco operatório a ser enfrentado por determinado indivíduo e tem grande importância na análise retrospectiva dos resultados cirúrgicos, permitindo a comparação não só entre instituições, como também entre cirurgiões individualmente, e possibilitando, em última análise, um controle de qualidade na prática clínica diária. [14,15]. Vários sistemas de escore têm sido desenvolvidos com a finalidade de predizer a mortalidade hospitalar na cirurgia cardíaca, especialmente na cirurgia coronária [1-7]. Desde sua introdução, o EuroSCORE vem tendo ampla aceitação em todo o mundo, já tendo sido utilizado como preditor de risco de morbi-mortalidade em populações outras que não a da Europa [11,16], mas para nosso conhecimento, ainda não foi aplicado no Brasil. O EuroSCORE é um sistema aditivo no qual cada um de 17 fatores de risco recebe um número de pontos, os quais, quando somados, fornecem um escore que permite colocar determinado paciente em um de três grupos de risco: baixo risco (escore 0-2), médio risco (escore 3-5) e alto risco (escore > 6).

O EuroSCORE tem sido aplicado na população americana e comparado com o registro do banco de dados da Society of Thoracic Surgeons, já utilizado como preditor de risco cirúrgico há vários anos. Apesar das diferenças demográficas, ficou demonstrado que o EuroSCORE pode ser usado para ambas as populações [11].

O EuroSCORE tem sido utilizado também com bastante precisão para identificar grupos de pacientes submetidos a cirurgia cardíaca que apresentam menor probabilidade de apresentar complicações não fatais [17]. Ademais, a modificação da estratégia em cirurgia coronária (com ou sem CEC) nos pacientes com EuroSCORE ³ 6 tem mostrado que a abordagem menos agressiva pode reduzir a morbi-mortalidade imediata [18].

Aplicou-se esse sistema a um grupo de 752 pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica no Instituto do Coração de Pernambuco, nos anos de 2003 e 2004. Foi possível identificar, retrospectivamente, em cada paciente, a presença ou não dos 17 fatores de risco estabelecidos pelo EuroSCORE, possibilitando a alocação de cada um deles num dos três grupos de risco. A análise estatística, ao comparar a mortalidade observada com a prevista para cada grupo de risco, não mostrou diferença estatisticamente significante. Apesar da acurácia do modelo, estimada em 69,9%, ter ficado aquém daquelas obtidas em um estudo envolvendo seis países europeus [13], o EuroSCORE mostrou-se um índice simples e objetivo, revelando-se um preditor satisfatório de mortalidade operatória em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica no Instituto do Coração de Pernambuco.

AGRADECIMENTO

Agradecemos ao Professor José Natal pelo tratamento estatístico realizado neste trabalho.

REFERÊNCIAS

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Article receive on sábado, 1 de outubro de 2005

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