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EDITORIAL

O SUS e a Assistência em Alta Complexidade em Natal/RN

Marcelo Matos Cascudo0

DOI: 10.1590/S0102-76382006000100004

O Estado do Rio Grande do Norte tem uma população de 2.923.287 pessoas e o Ministério da Saúde determina que exista uma hemodinâmica e um serviço de Cirurgia Cardíaca para cada 600.000 habitantes. Hoje, em nosso Estado, há seis hospitais com instalações que contemplam as normas e os anseios do Programa Nacional de Saúde para Assistência em Alta Complexidade na Doença Cardiovascular, elaborado pelo Governo Federal. Existe sobra de leitos do SUS para o tratamento de doenças Cardiovasculares em nosso Estado, já que a soma destes serviços tem capacidade para abordar uma população de 3.600.000 pessoas.

A Prefeitura do Natal foi referendada para o gerenciamento Pleno do SUS, sendo responsável pela coordenação e deliberação do tratamento dos pacientes com Doenças Cardiovasculares. Ela tem a obrigação de distribuir as guias de internações hospitalares; gerenciar a verba oriunda do Ministério da Saúde destinada para este fim; realizar os pagamentos dos honorários médicos, podendo complementá-los com recurso próprio conforme a Portaria de nº. 1.606 do Ministério da Saúde datada de 11 de Setembro de 2001; como também obedecer às normas e regulamentos do SUS, sob pena do não cumprimento dessas obrigações Constitucionais, de ser o prefeito responsabilizado por improbidade administrativa, já que a prefeitura não possui hospital próprio que possa oferecer Assistência em Alta Complexidade a sua população.

A ideologia de saúde gerenciada exclusivamente com dinheiro público contrapõe-se à evolução moderna dos países desenvolvidos, que têm nas suas parcerias público-privadas a base do desenvolvimento do Estado e de melhorias no âmbito social. Estas parcerias firmadas entre o Estado e as empresas privadas visam apenas o interesse público-social e desenvolvimentista, de forma a beneficiar a população com serviços de qualidade e agilidade de funcionamento, os quais a Gestão Pública não dispõe de recursos humanos e financeiros para oferecê-los com dignidade e respeito ao seu povo. A política de saúde pública almejada pela prefeitura de Natal é retrógrada, obtusa e de ideologia ultrapassada. Caracterizando-a administrativamente apenas como uma intermediária do recurso Federal. Não tendo a capacidade administrativa e funcional de oferecer a sua população, um programa de atendimento aos seus pacientes em rede hospitalar próprios, para o tratamento em Alta Complexidade.

A administração municipal sentindo intrinsecamente a sua incapacidade gerencial e a falta de experiência na área da saúde voltou-se contra os médicos credenciados. Editou no dia 31 de agosto de 2005 a portaria de nº. 160/2005, que determina a não utilização do código tipo 07 no processamento dos honorários médicos autônomos, obrigando os hospitais a receberem os pagamentos dos serviços de saúde prestados e repassá-los aos profissionais que realizarem algum procedimento. Desta maneira, os gestores públicos municipais se eximem de suas obrigações previdenciárias, que são de responsabilidade do Governo Gestor, como determina a Portaria Ministerial de nº 510 do dia 30 de setembro de 2005, que afirma em seu Art. 02 § 1 que "todos os descontos e incidências de impostos e outras contribuições ficarão a cargo do setor financeiro dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios com Gestão Plena do Sistema".

Aquela Portaria Municipal choca-se com os anseios e liberdade do exercício do trabalho médico. O Código de Ética Médica e o Conselho Federal de Medicina incumbem ao médico, em respeito a sua autonomia e aos seus postulados contratuais acordados, decidir como receber pecuniariamente os seus honorários. Ainda determina que nenhum dispositivo regimental, estatutário ou de gestão poderá interferir no direito preferencial do médico na prestação dos seus serviços quanto à execução e ao recebimento de seus honorários. Acompanhando as determinações do Conselho Federal de Medicina e obedecendo a imposição do gestor municipal pela nossa exclusão do SUS, ficamos impossibilitados de atendermos estes pacientes. Mesmo assim, amparados por mentiras e covardias, a Prefeitura Municipal imputou a responsabilidade do caos gerado por ela, aos médicos e decretou estado de calamidade pública no município de Natal no dia 25 de novembro de 2005. Provocou o Ministério Público, que por sua vez travestido de polícia do mundo, ignorante em relação à saúde e transgredindo as Leis e Portarias Ministeriais, solicita ao Poder Judiciário, por meio de liminar, o atendimento imediato da população pelos médicos autônomos, sob pena de prisão e abertura de inquérito policial. Passaram-se 67 dias até a resolução do problema. Houve quatro mortes por irresponsabilidade e incapacidade gerencial dos Gestores Municipais, que até o presente momento não foram inquiridos, responsabilizados, nem indiciados por suas culpas pelo poder judiciário.

O governo do Estado foi obrigado a intervir no processo e solucionar o problema, celebrando um contrato com os 140 médicos de 16 especialidades, provendo-os com um adicional em seus honorários, correspondente a um aumento 100% da tabela do SUS. Pergunto: Para quê serviu esta medida arbitraria e ditatorial da Prefeitura do Natal e da Promotoria Pública? Será que foi apenas para dar legitimidade à falta de competência administrativa na área da saúde pública, expor suas feridas e eviscerar a arrogância ditatorial dos Promotores Públicos ao querer transgredir os direitos constitucionais de cidadãos livres. Tendo a figura impávida de jovens e inexperientes promotores e a contemplação e o beneplácito de um prefeito que afirmara não poder continuar a gerenciar o atendimento pleno do SUS em Alta Complexidade, e tentou em Brasília a devolução desta responsabilidade ao Governo Federal. Que triste! Saber que o nosso povo tem um governo que não sabe ouvir, dialogar e aconselhar-se com a Sociedade Médica, e mais, que se julga o senhor do poder, da verdade e do saber, mas que verdadeiramente não tem rumo, não tem sensibilidade política e muito menos compromisso moral com a saúde no Brasil.

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