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RELATO DE CASO

Tratamento cirúrgico do túnel ventrículo esquerdo-aorta

José Alberto Caliani; Flávio Reis Gouvêa; Luiz Carlos Simões; Ana Helena Dorigo; Erika Porto; Flávio Reis Neves; Odilon Nogueira Barbosa

DOI: 10.1590/S0102-76382004000200014

INTRODUÇÃO

O túnel ventrículo esquerdo-aorta (TVE-AO) é considerado uma doença congênita rara [1-3], na qual há comunicação anormal entre o ventrículo esquerdo e a aorta, ou seja, não através da valva aórtica. Esta condição, geralmente resulta em grave regurgitação aórtica, rápida descompensação cardíaca e óbito [1, 2].

Do ponto de vista anatômico, caracteriza-se por comunicação tubular entre o ventrículo esquerdo e a aorta. O orifício na aorta situa-se distalmente na junção sino tubular, separado do seio de Valsalva por uma margem transversa proeminente, enquanto o orifício ventricular localiza-se na transição entre as válvulas coronariana direita e esquerda. Logo, o TVE-AO cria uma passagem secundária e anormal na junção ventrículo-arterial normal, porém não penetra a musculatura septal [3]. Isto tem implicações na abordagem cirúrgica destes pacientes [2-4].

O tratamento cirúrgico do TVE-AO pode ser feito com aortotomia transversal convencional, dois centímetros acima do seio de Valsalva, objetivando o fechamento do mesmo sem deixar comunicações para-valvar[4].

Neste relato descrevemos um caso de TVE-AO em criança de oito meses operado com sucesso.

RELATO DO CASO

Criança do sexo masculino, oito meses de idade, deu entrada em nosso serviço com queixa de dispnéia e cansaço aos pequenos esforços iniciados há um mês.

Apresentava-se em regular estado geral, acianótica, anictérica, afebril e taquidispnéica. O sopro era contínuo, sistólico e diastólico em foco aórtico e aórtico acessório, hiperfonese de segunda bulha. A frequência cardíaca era de 110 bpm e a pressão arterial de 100/40 mmHg.

A radiografia de tórax apresentava aumento da área cardíaca às custas do ventrículo esquerdo.

O eletrocardiograma apresentava ritmo sinusal com sobrecarga de ventrículo esquerdo.

O Ecocardiograma bidimensional com Doppler foi realizado para elucidar ou excluir o diagnóstico de insuficiência da valva aórtica. No entanto, revelou regurgitação para-valvar importante, tendo sido aventada a hipótese de TVE-AO. Com a intenção de confirmar o diagnóstico, obter detalhes anatômicos e excluir anomalias associadas foi realizado o estudo cineangiocardiográfico (figura 1).



Diante do quadro clínico e dos exames complementares foi indicado tratamento cirúrgico.

Realizou-se esternotomia mediana, estabelecimento de circulação extracorpórea convencional com hipotermia moderada a 30º C. A raiz aórtica foi aberta dois centímetros acima do seio de Valsalva. Cardioplegia anterógrada fria foi infundida diretamente nos óstios coronários. O orifício aórtico do túnel foi identificado na base ao lado da válvula coronariana direita e foi ocluído com sutura direta (figura 2). A aortotomia foi fechada realizando-se plicatura externa.



Não houve intercorrências no pós-operatório. O paciente recebeu alta hospitalar seis dias após a operação. O ecocardiograma de controle evidenciou oclusão completa do túnel.

No seguimento ambulatorial o paciente encontra-se completamente livre de sintomas, em grau funcional I (NYHA).

COMENTÁRIOS

O TVE-AO tem etiologia congênita [1-3], podendo ou não estar associado a anomalias da valva aórtica e hidropisia fetal [2]. Dependendo da gravidade da regurgitação aórtica, pode ocorrer óbito intra-útero ou nas primeiras horas após o nascimento [2].

O TVE-AO acomete cerca de 92% dos pacientes na válvula coronariana direita e o restante na válvula coronariana esquerda [4]. Resulta em severa regurgitação para-valvar aórtica e rápida descompensação cardíaca. A sintomatologia depende da magnitude da regurgitação para o ventrículo esquerdo e do diâmetro da comunicação tubular, uma vez que em alguns pacientes o diagnóstico e o tratamento cirúrgico bem sucedido foram relatados em crianças maiores [4,5] e em adulto assintomático [6].

O exame complementar mais importante para diagnóstico da doença é o ecocardiograma bidimensional com Doppler, que evidencia regurgitação da aorta para o ventrículo esquerdo através da comunicação tubular para-valvar aórtica [7].

O tratamento é essencialmente cirúrgico em qualquer idade e no diagnóstico [1,2,4-7] para se evitar distorção da valva aórtica e/ou do anel, além de dilatação do ventrículo esquerdo, o que pode ocasionar tardiamente insuficiência valvar aórtica e eventual necessidade de reoperação para troca valvar [8]. No tocante à técnica cirúrgica, o túnel pode ser fechado por sutura direta através do orifício aórtico [6], como mostrado neste relato, ou colocação de retalho de pericárdio bovino no orifício aórtico [5], pelo orifício ventricular[4] ou por ambos orifícios aórtico e ventricular[4].

Baseando-se na boa evolução, facilidade técnica para realização da operação e revisão bibliográfica, acreditamos que o tratamento cirúrgico desta doença deva ser amplamente empregado o mais precoce possível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Levy MJ, Schachner A, Blieden LC. Aortico-left ventricular tunnel: collective review. Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery, 1982; vol 84, 102-109.

2. Sousa-Uva M, Touchot A, Fermont L, Piot D, Delezoide AL, Serraf A, Lacour-Gayet F, Roussin R, Bruniaux J, Planché C. Aortico-left ventricular tunnel in fetuses and infants. Ann Thorac Surg 1996; 61:1805-1810.
[ Medline ]

3. Ho SY, Muriago M, Cook AC, Thiene G, Anderson RH. Surgical anatomy of aorto-left ventricular tunnel. Ann Thorac Surg 1998; 65: 509-514.
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4. Horvath P, Balaji S, Skovranek S, Hucin B, De Leval MR, Stark J. Surgical treatment of aortico-left ventricular tunnel. European Journal of Cardio-Thoracic Surgery 1991; Vol 5, 113-116.
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5. Michielon G, Sorbara C, Casarotto DC. Repair of aortico-left ventricular tunnel originating from the left aortic sinus. Ann Thorac Surg 1998; 65: 1780-1783.
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6. Ipek G, Kiraly K, Tuncer A, Yakut N, Omerulu S, Gurbuz A, Yakut C. Aorto-left ventricular communication through extracardiac tunnel. Asian Cardiovasc Thorac Ann 2000; 8:56-58.

7. Sreeram N, Franks R, Walsh K. Aortic-ventricular tunnel in a neonate: diagnosis and management based on cross sectional and colour doppler ultrasonography. Britsh Heart Journal 1991; vol 65, 161-162.

8. Serino W, Andrade JL, Ross D, de Leval M, Somerville J: Aorto-left ventricular communication after closure: Late post-operative problems. Britsh Heart Journal 1983; 49:501.

Article receive on quinta-feira, 1 de abril de 2004

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