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COMO EU FAÇO

Dissecção endoscópica da artéria torácica interna com auxílio robótico

Paulo R .L. Prates; Roberto T. Sant'Anna0; Ivo A Nesralla

DOI: 10.1590/S0102-76382004000200013

INTRODUÇÃO

Tradicionalmente, a cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) tem sido realizada por meio de esternotomia, uma abordagem que permite acesso a todas estruturas cardíacas e grandes vasos [1,2]. A cirurgia minimamente invasiva e totalmente endoscópica, tem como objetivo diminuir o trauma cirúrgico, conseqüentemente diminuindo o tempo de internação e os custos hospitalares [1-4].

A última etapa, em termos de cirurgia de revascularização do miocárdio minimamente invasiva, consiste na cirurgia de revascularização do miocárdio totalmente endoscópica (CRMTE) [3,4]. Atualmente, ela já realizada com sucesso utilizando sistemas tele-manipuladores robóticos.

A evolução até CRMTE é gradual, e uma das etapas fundamentais para que ela seja atingida consiste na dissecção endoscópica da artéria torácica interna (ATI), realizado em nosso país pioneiramente por nós e pelo grupo do Incor de São Paulo [5,6]. O objetivo deste artigo é descrever a técnica por nós empregada para dissecção da ATI mediante toracoscopia com auxílio de um braço robôtico AESOP, bem como relatar os resultados iniciais obtidos.

MÉTODO

De abril a dezembro de 2002, nove pacientes submetidos a CRM tiveram a dissecção da ATI por endoscopia com auxílio robótico. A idade variou de 49 a 71 anos (média 57,5 ± 7,73), sendo sete pacientes (78%) masculinos. Todos os pacientes consentiram com o procedimento e o projeto foi aprovado pelo comitê de ética do hospital. A classe funcional, segundo a New York Heart Association ( NYHA), era I em sete pacientes (78%), II em um paciente (12%) e III em um paciente. A fração de ejeção (FE) variou de 48 a 83% (média 67%). Todos pacientes mostravam lesão obstrutiva significativa (98% ou mais) da artéria coronária descendente anterior (ADA) vista por cateterismo. Outras artérias comprometidas foram: ramo diagonal da ADA (Dg), em dois pacientes; artéria circunflexa (ACx), em três; ramo marginal da ACx (Mg), em três; artéria coronária direita, em oito.

Técnica operatória

O procedimento cirúrgico é realizado sob anestesia geral com thiopental, fentanil, pancurônio, midazolan e isoflurano. O paciente é monitorizado na sala cirúrgica através de ECG, oximetria de pulso, capnógrafo, medida da pressão venosa central e da pressão em artéria radial direita. A entubação orotraqueal é feita com tubo de duplo lúmen para ventilação seletiva. O paciente é colocado em decúbito lateral direito (30 grau de inclinação) usando um coxim posicionado abaixo da escapula esquerda. Para uma melhor exposição da parede lateral esquerda do tórax e axila membro superior esquerdo é abduzido e posicionado sobre o rosto do paciente.

Após a preparação do paciente e iniciada a ventilação seletiva para o pulmão direito mantendo um volume corrente de 6 a 8 ml/Kg e uma PEEP de 3 a 5 cmH2O, tem início a dissecção endoscópica da ATI esquerda. Durante o procedimento procura-se manter a PAM em torno de 75 mmHg para diminuir o risco de sangramento.

É utilizado o auxílio de um braço robótico AESOP, que funcionado como câmara-guia toracoscópica, que fica sob comando verbal do cirurgião. Ele é fixado à mesa cirúrgica à direita do paciente (lado oposto ao cirurgião), na altura do apêndice xifóide (figura 1). Para a dissecção da ATI é usado eletrocutério (Valleylab), com uma lâmina de dissecção de 20 cm provida de um aspirador para a retirada de detritos e vapores produzidos durante o procedimento, através de um trocar de 3,5mm inserido no 2º e 3o espaço intercostal, usando a mesma incisão, esquerdo (EICE) na linha axilar média. A câmera 21 cm, 5mm de diâmetro e 0 grau é inserida no 4º EICE , também na altura da linha axilar média, através de um trocar de 5mm.



Uma pinça de preensão endoscópica com 20 cm de comprimento é inserida no 6º EICE sem auxílio de trocar, linha axilar anterior. Para uma melhor exposição do mediastino, o fluxo de dióxido de carbono foi mantido pelo trocar de 5mm a uma pressão de 8 a 10mmHg no hemitórax esquerdo, aumentando o espaço entre a parede torácica e o mediastino. O enxerto da ATIE é dissecado desde a primeira costela até a sua bifurcação. Para dissecção do terço cranial da ATI, é utilizado o 2o EIE, para dissecção terço caudal é utilizado o trocar no 3o EIE, através da mesma incisão onde é inserido o eletrocautério com o trocar de 3,5mm (figura 2).



Todos seus ramos são cauterizados. Eventuais sangramentos são controlados com uma leve compressão do enxerto contra a parede torácica por alguns minutos. Concluída sua dissecção, a ATI é avaliada quanto à sua integridade e fluxo, ambos mantendo-se adequados em todos os casos. A cirurgia de revascularização é realizada de forma convencional, por esternotomia mediana e com circulação extracorpórea (CEC). Os outros enxertos são inseridos na aorta ascendente de forma habitual. O manejo pós-operatório foi o mesmo utilizado para CRM tradicional.

RESULTADOS

O tempo necessário para dissecção da ATI esquerda variou de 40 a 90 minutos (média 66,1 minutos), sendo a primeira dissecção realizada em 90 minutos e as três últimas em menos de 60 minutos (Figura 3). O tempo diminuiu gradativamente com a familiarização e aprendizado do procedimento.



Não houve mortes hospitalares. Um paciente sofreu infarto septal no pós-operatório imediato e outro teve derrame pericárdico, conseqüente a síndrome pós-periocardiotomia. O paciente que sofreu infarto septal apresentava a ADA arteromotosa e com leito distal ruim. No estudo angiográfico realizado nesse caso a ATI apresentava-se integra.

Não houve casos de mortalidade tardia. Dentre os seis pacientes acompanhados regularmente, quatro estavam sem sintomas seis meses após a realização da cirurgia e dois apresentavam limitação funcional compatível com uma classe II de angina.

COMENTÁRIOS

A constante evolução do tratamento cirúrgico além de ter como objetivo a melhoria das técnicas operatórias visa também a diminuição das comormidades e do resultado estético associados ao tratamento cirúrgico. O surgimento e evolução dos procedimentos intervencionistas criaram uma alternativa sem necessidade de trauma cirúrgico, sem anestesia e com possibilidade de uma recuperação rápida do paciente [3]. Contudo, nem todas as lesões têm indicação para tratamento intervencionista. A CRM continua sendo o método de escolha para lesões complexas, principalmente quando afeta a coronária descendente anterior [1].

A CRMTE seria uma alternativa que traria as vantagens da CRM, com uma morbidade reduzida e um resultado estético superior.

A etapa inicial para sua realização consiste na dissecção endoscópica da ATI. Ela já foi descrita anteriormente com a utilização da Harmonic Scalpel (Ethicon Endo-Surgery, Cincinnati, Ohio, USA) e com outros sistemas robóticos mais complexos, como o Zeus (Computer motions, Goleta, California, USA) e o Da Vinci (Intuitive Surgical, Sunnyvale, California, USA) [4-7].

Nós acreditamos que a utilização do auxílio do robô AESOP proporcione maior estabilidade gerada pelo vídeo e o melhor controle em relação vídeo-toracoscopia convencional. Além disso, proporciona maior conforto ao cirurgião e evita a fadiga e má posição do auxiliar que manipularia a câmara. Como em nossa série após a dissecção endoscópica da ATI os pacientes são submetidos a esternotomia, as vantagens em relação a dor e morbidade pós-operatória não devem ser levados em conta [8].

A cirurgia robótica atualmente está na dependência de indicações cirúrgicas específicas, equipamentos de alto custo e tempo cirúrgico maior que cirurgias convencionais, de forma que seus benefícios tendem a serem revelados a longo prazo. Contudo, há uma curva de aprendizagem envolvida, como nós descrevemos, de forma que o tempo necessário para realização do procedimento tende a diminuir com a familiarização técnica. Acreditamos que o investimento inicial ainda que elevado, possa ser diminuído a medida que os benefícios teóricos se traduzirem em menor tempo de internação hospitalar, menor morbidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Diegeler A, Thiele H, Falk V, Hambrecht R, Spyrantis N, Sick P, et al. Comparison of stenting with minimally invasive bypass surgery for stenosis of the left anterior descending coronary artery. N Engl J Med 2002;347(8):561-6.

2. Dogan S, Aybek T, Andressen E, Byhahn C, Mierdl S, Westphal K, et al. Totally endoscopic coronary artery bypass grafting on cardiopulmonary bypass with robotically enchaced telemanipulation: Report of forty-five cases. J Thorac Cardiovasc Surg 2002;123 (6):1125-31.
[ Medline ]

3. Falk V, Diegeler A, Walther T, Banusch J, Brucerius J, Raumans J, et al. Total endoscopic computer enhanced coronary artery bypass grafting. Eur J Cardiothorac Surg 2000;17(1):38-45.
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4. Jacobs LK, Shayvani V, Sackier JM. Determination of the learning curve of the AESOP robot. Surg Endosc 1997;11(1):54-5.
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5. Dallan LAO, Lisboa LAF, Abreu Filho CAC, Platania F, Dallan LAP, Iglesias JC et al. Assistência robótica para dissecção minimamente invasiva da artéria torácica interna na revascularização do miocárdio. Rev Bras Cir Cardiovasc 2003; 18(1):110.

6. Prates PRL, François LMG, Argondizzo MB, Harter MO, Lajus JA, Brasil RV et al. Dissecção endoscópica da artéria torácica interna com auxílio robótico. Rev Bras Cir Cardiovasc 2003; 18(1):110.

7. Bucerius J, Metz S, Walther T, Falk V, Doll N, Noack F, et al. Endoscopic internal thoracic artery dissection leads to significant reduction of pain after minimally invasive direct coronary artery bypass graft surgery. Ann Thorac Surg 2002;73(4):1180-4
[ Medline ]

8. Sant´Anna JRM, Prates PRL, Kalil RAK, Prates PR, Moretto M, Sant´Anna RT et al. Robotic-Assisted Thoracoscopic Implatation of an Epimyocardial Lead for Biventricular Pacing. Progress in Biomedical Research. 2002;7:32-6.

Article receive on segunda-feira, 1 de março de 2004

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