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ARTIGO ORIGINAL

Resultados da operação reconstrutora da valva mitral em pacientes com idade inferior a 15 anos

Celso O. Cordeiro; Francisco Gregori Jr.; Thelma Elisa F. Gregori; Alexandre N. Murakami; Adriana Abrão

DOI: 10.1590/S0102-76382004000200004

INTRODUÇÃO

Apesar de todo o avanço tecnológico que o mundo tem experimentado nos últimos anos, um substituto valvar ideal ainda não foi desenvolvido, principalmente em crianças. As próteses existentes ainda apresentam complicações difíceis de serem controladas, especialmente a calcificação e a rotura nas próteses biológicas e o tromboembolismo nas valvas mecânicas. Esse fato tem levado autores a, cada vez mais, utilizarem técnicas restauradoras no tratamento da regurgitação valvar mitral.

Desde os estudos iniciais de LILLEHEI [1] até outros mais recentes [2,3], sabemos que as paredes do ventrículo esquerdo, os músculos papilares, as cordas tendíneas, os folhetos e o anel mitral desempenham papel importante na fisiologia da contração ventricular esquerda e que há um prejuízo significativo da função ventricular, quando da retirada de partes desses elementos, como ocorre nas substituições valvares. O empenho em preservar a valva mitral com regurgitação adquire importância ainda maior quando o paciente está na faixa etária abaixo dos 15 anos de idade, já que está sujeito a um número maior de reoperações futuras.

Antes mesmo do advento da circulação extracorpórea, em 1902, BURTON [4] propôs a possibilidade de plastia mitral, ocasião em que alguns autores realizaram esse procedimento, porém com resultados pouco animadores [5,6,7]. Após o início da circulação extracorpórea, LILLEHEI et al. [8] realizaram com sucesso a primeira correção da regurgitação mitral, com plicatura do anel mitral dilatado, sob visão direta. Muitos cirurgiões passaram a desenvolver técnicas para reconstrução, principalmente do anel da valva mitral, entre eles MERENDINO et al. [9], MCGOON [10], REED et al. [11] e WOOLER et al. [12]. Porém, a maior contribuição no tratamento da regurgitação mitral, por introduzir o conceito de reconstrução valvar mitral, demonstrando a importância da correção do aparelho valvar como um todo deve-se a CARPENTIER [13].

Em nosso meio, esses procedimentos foram pioneiramente empregados por RIBEIRO et al. [14] e GREGORI et al. [15]. Estes desenvolveram diversas técnicas empregadas nos pacientes deste estudo, como neocorda, encurtamento de cordas alongadas utilizando os folhetos[16], transplante de cordas da valva tricúspide para a valva mitral[17], além de uma prótese aberta[18] para remodelação do anel valvar mitral. Contribuições importantes também foram apresentadas por CARVALHO et al. [19], POMERANTZEFF et al. [20] e BRAILE et al. [21].

O presente estudo visa avaliar a evolução pós-operatória dos pacientes portadores de regurgitação valvar mitral menores de 15 anos submetidos à operação reconstrutora.

MÉTODO

Entre maio de 1980 e novembro de 2001 foram submetidos à operação conservadora da valva mitral 117 pacientes menores de 15 anos de idade, portadores de regurgitação valvar mitral.

Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital Evangélico de Londrina.

Todos ao descrições cirúrgicas e prontuários foram analisados retrospectivamente.

A idade variou de 1 a 15 anos, com média de 10 anos. Quarenta e três pacientes (36,8%) eram do sexo masculino e 74 (63,2%) do sexo feminino.

Oitenta e sete pacientes (74,4%) eram portadores de regurgitação mitral pura e 30 (25,6%) apresentavam estenose associada. A etiologia era a reumática em 95 (81,2%), congênita em 16 (13,7%), endocardite infecciosa em cinco (4,3%) e degeneração mixomatosa em um (0,9%). Todos os pacientes encontravam-se nas classes funcionais III e IV.

Os pacientes foram operados com o auxílio de circulação extracorpórea (CEC) e hipotermia moderada, sendo a proteção miocárdica realizada com desclampeamento intermitente da aorta a cada 15 minutos. O tempo médio de CEC foi de 68 minutos (22-158) e o de isquemia do miocárdio de 38 minutos (8-108).

Na plastia valvar mitral foram analisadas todas as características que ocasionavam a regurgitação mitral, sendo empregado as técnicas necessárias para correção. O anel valvar foi remodelado em todos os pacientes, utilizando-se o anel de Gregori-Braile, Carpentier ou fita de pericárdio bovino. Outras técnicas como encurtamento ou alongamento de cordas, comissurotomia e papilarotomia também foram empregadas.

A valva mitral foi avaliada no ato operatório sob visão direta após o desclampeamento aórtico e retorno dos batimentos cardíacos. Além do refluxo foi dada importância também ao formato mais anatômico possível da valva após a correção, assim como à mobilidade valvar pós-implante do anel. Após a saída de circulação extracorpórea foi realizada a ausculta direta do átrio esquerdo com estetoscópio esterilizado.

A classe funcional (NYHA) foi avaliada em todos os pacientes no pós-operatório tardio.

RESULTADOS

Em todos os pacientes o anel valvar mitral foi remodelado. Próteses ou tecidos de sustentação não foram utilizados em apenas sete pacientes. Em seis (5.1%) foram empregadas fita de pericárdio bovino, em 35 (29.9%) anel de Carpentier e nos últimos 69 (59,0%) o anel de Gregori-Braile. A anuloplastia isolada foi realizada em 22 pacientes (18,8%) e em 95 (81,2%) houve necessidade de atuação sobre os folhetos da valva e/ou do aparelho subvalvar.

Sessenta e seis pacientes (56,4%) foram submetidos ao encurtamento de cordas alongadas, 30 (25,6%) à comissurotomia e/ou papilotomia, 11 (9,4%) à ressecção parcial do folheto posterior, nove (7,7%) à ressecção da folheto anterior, seis (5,1%) à plicatura da folheto posterior, cinco (4,3%) à transposição de cordas, cinco (4,3%) à transferência de cordas, cinco (4,3%) à secção de cordas retráteis, quatro (3,4%) à sutura de orifícios nas folhetos e dois (1,7%) à retirada de cálcio da folheto anterior.

Em associação foram realizados os seguintes procedimentos: plastia valvar tricúspide em seis pacientes (5,1%), fechamento de comunicação interatrial em três (2,6%), ligadura do canal arterial persistente em dois (1,7%), troca valvar aórtica em 10 (8,5%), plastia valvar aórtica em seis (5,1%), ressecção de anel fibroso subaórtico em um (0,9%), correção de canal atrioventricular em um (0,9%) e operação de Cox sem crioablação em um (0,9%).

Quinze (12,8%) pacientes necessitaram de reoperações. Dentre os 87 pacientes com regurgitação mitral pura, 10 (11,5%) foram reoperados e dos 30 pacientes com estenose mitral associada, cinco (16,7%) necessitaram reoperação. Em quatro pacientes (26,7%) foi realizada nova plastia e em 11 (73,3%) a substituição valvar. Ocorreu novo surto de atividade reumática em cinco pacientes e endocardite infecciosa ativa em um. Não ocorreram fenômenos tromboembólicos.

Cento e treze pacientes (96,6%) estão vivos, 104 (88,9%) com suas valvas nativas. Noventa e nove (84,6%) encontram-se em classe funcional I e II (NYHA).

A mortalidade hospitalar foi de um (0,9%) paciente com insuficiência cardíaca incontrolável e a tardia foi de três (2,6%) pacientes, sendo que dois destes óbitos ocorreram em reoperações.

COMENTÁRIOS

A operação conservadora para o tratamento da regurgitação valvar mitral é praticamente um consenso universal, especialmente em crianças nas quais a substituição valvar é seguida de grande número de reoperações.

Os trabalhos iniciais apresentavam técnicas que objetivavam apenas o tratamento do anel valvar [9,12].

A partir das técnicas propostas por CARPENTIER et al. [13] em 1969, e com uma melhor compreensão da importância de todo o aparelho valvar na função ventricular, vários procedimentos foram apresentados para atuação tanto no anel [22,23] como nos outros componentes da valva mitral [15-17,24]. A evolução tardia das plásticas mostra também a importância do emprego de algum tipo de prótese para remodelação do anel, seja ele flexível ou rígido.

A superioridade da plástica sobre a substituição valvar também é evidenciada na morbi-mortalidade, com sobrevida maior e melhor desempenho da função ventricular e com menor número de reoperações [25,26]. Há quem sugira que a reconstrução valvar, ainda que não totalmente perfeita, seja melhor que a substituição valvar [27]. A regurgitação mitral pode ser secundária a múltiplas lesões nas comissuras, folhetos e aparelho subvalvar, observando-se em todos os pacientes a dilatação do anel mitral. Isso se deve ao afastamento da sua porção posterior, já que a porção anterior está limitada pelos trígonos fibrosos direito e esquerdo do coração.

A anuloplastia foi realizada em todos os pacientes dessa série, porém somente em 22 (18,8%) deles foi procedimento único, mostrando que na grande maioria (81,2%) foi necessária a associação de alguma outra técnica. Em apenas sete pacientes (6,0%) a anuloplastia foi realizada sem anel protético ou tecidos de sustentação. Nos últimos 69 (59,0%) pacientes, o anel Gregori-Braile foi empregado para a remodelação do anel mitral que, por ser aberto, permite o crescimento normal do anel mitral. Isso é importante em crianças, pois possibilita ainda melhor manipulação e correção de lesões residuais mesmo após a sua fixação.

CARPENTIER at al. [28] relataram experiência com plastia após 10 anos, mostrando mortalidade hospitalar de 4,2% e tardia de 7% numa série de 551 pacientes adultos e crianças. No entanto, não encontraram diferença significativa da mortalidade nas diferentes faixas etárias.

O índice de reoperação (12,8%) também foi de acordo com dados da literatura [28]. Devemos salientar que, dos 15 pacientes reoperados, cinco apresentaram um novo surto de atividade reumática e um endocardite bacteriana.

A mortalidade hospitalar e tardia foi considerada muito baixa e tem sido confirmada por outros autores. BORDIGNON et al. [29], em nosso meio, relata mortalidade hospitalar de 4,3% e 8,6% respectivamente, em uma série de 70 crianças.

Desta forma, é bastante animador observar que na evolução tardia, 113 pacientes (96,6%) estão vivos, 104 (88,9%) com a valva nativa preservada e 99 apresentam evolução clínica bastante satisfatória, estando em classe funcional I e II (NYHA).

CONCLUSÃO

A operação reconstrutora na regurgitação valvar mitral utilizando a remodelação do anel com prótese aberta em associação com técnicas de reparação do aparelho valvar mitral foi factível, apresentando resultados que orientam para sua aplicabilidade neste grupo de pacientes menores de 15 anos.

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Article receive on sexta-feira, 1 de novembro de 2002

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